sexta-feira, 27 de março de 2015

Agatha & Fashion - VESTIDA PARA MORRER


Quando as roupas e os hábitos de moda de uma época servem como pista fundamental para a solução do crime.


Emma Williams como Rubby Keene em Um Corpo na Biblioteca
- episódio da série Marple (1984)


Em Um Corpo na Biblioteca, uma estória com Miss Marple, Henry Clithering falou assim para Conway Jefferson:

Lá, no salão, junto à terceira coluna à esquerda, está assentada uma senhora idosa, com uma fisionomia tranquila e plácida de solteirona e uma mente que penetra as profundezas da iniquidade humana e as revela à luz do dia. Chama-se Miss Marple.

Ele não poderia estar mais certo!

O conhecimento que a esperta velhinha possui da natureza humana sempre auxilia nas investigações, e, na estória de Um Corpo na Biblioteca, um conhecimento em especial se torna decisivo para a resolução do caso: os costumes sociais daquela época sobre o modo de se vestir.




O VESTIDO ESTAVA TODO ERRADO!




Joan Hickson como Miss Marple em cena de Um Corpo na Biblioteca


Quando Miss Marple viu o corpo da jovem assassinada no chão da biblioteca, uma das coisas que lhe chamou a atenção e causou estranheza foi o vestido que a jovem estava usando quando foi assassinada:

Oh, sim! Havia o vestido. O vestido estava todo errado! — respondeu Miss Marple energicamente.(...)  – O vestido era velho e eu pude ver por mim mesma que estava surrado e rasgado. Ora, tudo isso é anormal.

Bem, não há nada de anormal em uma jovem dançarina ainda tentando ganhar a vida como Ruby Keene usar um vestido velho, meio surrado e rasgado, e Miss Marple sabia bem disso. Seu estranhamento se fundamentou em outro motivo, algo mais sutil, relativo tanto aos hábitos de uma jovem apaixonada como a uma questão social.

Tão sutil que os pobres Inspetores Clithering e Jefferson não faziam a menor ideia, e, consequentemente, não perceberam a ótima pista bem debaixo de seus narizes. Mas, para Miss Marple, a pista do vestido todo errado estava reluzente como um letreiro de neon!



NÃO QUERO SER ESNOBE, MAS TENHO PARA MIM 

QUE SEJA INEVITÁVEL




Capa da edição da Penguin de Um Corpo na Biblioteca


Primeiro, Miss Marple notou um fato que, convenhamos, permanece o mesmo nos dias de hoje: Ruby Keene saíra para se encontrar com um rapaz por quem estava apaixonada.

— Acho que teria usado o melhor que tivesse. É assim que fazem as moças. – disse Miss Marple.

Ora, numa situação dessas, a última coisa que uma moça faria, seja naquela época, seja atualmente, era colocar um vestido velho e surrado!

Em segundo lugar, a teoria do vestido todo errado de Miss Marple, e sobre a qual os policiais não se deram conta, é reforçada por um motivo de ordem social.

Trata-se do seguinte: mesmo temendo parecer esnobe, Miss Marple aponta para as diferenças nos hábitos e costumes daquela época entre as moças da sociedade ou moças da classe alta e as moças das classes mais simples, como era o caso de Ruby Keene. Explica a esperta velhinha:

— Muito sensato seria vestir calças compridas e um pullover. É isso, naturalmente (não quero ser esnobe, mas tenho para mim que seja inevitável), o que faria uma moça...de nossa classe. Uma moça bem educada.




RUBY, NATURALMENTE, NÃO ERA UMA MOÇA DA SOCIEDADE




Emma Williams como Rubby Keene, Tara Fitzgerald como Adelaide Jefferson e Ian Richardson como Conway Jefferson em Um Corpo na Biblioteca - episódio da série Marple (1984)



Como nos conta Miss Marple, uma moça bem educada é muito cuidadosa ao escolher a roupa certa para cada ocasião, e se sentiria ridícula usando uma roupa arrumada demais em locais informais.

Porém, segundo Miss Marple, uma moça simples como Ruby não tinha, a princípio, noção de como se vestir adequadamente, Pelo contrário: Ruby usaria seu melhor vestido, ainda que ele fosse completamente inadequado para o local e a ocasião, sem se dar conta de que estava fazendo um papel ridículo:

— Ruby, naturalmente, não era moça da sociedade ou, para falar de modo mais claro, Ruby não era uma senhora. Pertencia à classe que usa qualquer vestido para qualquer ocasião.

E, como faz parte do método de investigação de Miss Marple, ela faz uma comparação entre o caso e alguma reminiscência sua de outra ocasião parecida:

Era curioso observar o vestido que as moças usavam. Roupas de fular, sapatos de verniz chapéus bem trabalhados. Para escalar rochas, tojos e urzes. E os jovens com seus melhores ternos!



TODO CONHECIMENTO É VÁLIDO PARA SOLUCIONAR UM CRIME

 - INCLUSIVE MODA!



Joan Hickson como Miss Marple e Gwen Watford como  Dolly em Um Corpo na Biblioteca - episódio da série Marple (1984)


Com estas observações aparentemente simples sobre moda, vestimentas, hábitos e costumes, Miss Marple aponta para uma pista vital para a solução do caso: o vestido todo errado da moça assassinada. E, de quebra, ainda nos fornece informações interessantes sobre alguns dos costumes sociais daquela época no tocante à moda e vestimentas.

Agatha Christie também é fashion!

Moda também é cultura!


E os costumes sociais sobre o uso de um simples vestido podem resolver um intrincado caso de assassinato!



sábado, 21 de março de 2015

AGATHA CHRISTIE NAS TELAS - Pombos, Porquinhos, Gatos, Cartas e um Funeral


Que tal dar um passeio por Oxfordshire, por Hampshire, e por Hertfordshire através dos filmes da série Poirot? 


Tudo através das paisagens das belas locações utilizadas nas filmagens da série britânica de TV Poirot, exibida pela BBC de: Os Cinco Porquinhos, Cartas na Mesa, Depois do Funeral e Um Gato entre os Pombos.



Os Cinco Porquinhos 

9ª temporada – foi ao ar em 14 de dezembro de 2003




Benington Lordship, Hertfordshire
casa particular utilizada como "
'Alderbury House"


 Outra vista da casa particular utilizada como "'Alderbury House"



 Escadaria da casa particular utilizada como "'Alderbury House"


Burlington Arcade, em Londres



Cartas na Mesa 

 10ª temporada - foi ao ar em 19 de março de 2006.



"The Peacock House" ou "Casa do Pavão, em Holland Park usada como a casa de Shaitana


O "Albert Memorial", em Londres



Depois do Funeral 

 10ª temporada – foi ao ar em 26 de março de 2006.



Rotherfield Park, em Hampshire



Hampshire




Um Gato entre os Pombos  

11ª temporada - foi ao ar em 21 de setembro de 2008.



Sue Ryder Home, em Nettlebed, Oxfordshire

Usada como o exterior da Escola Meadowbank



Outra vista da Sue Ryder Home

Usada como o exterior da Escola Meadowbank



Outra vista da Sue Ryder Home

Usada como o exterior da Escola Meadowbank


sexta-feira, 13 de março de 2015

O MÉTODO CHRISTIE – A TÉCNICA DA TESTEMUNHA IGNORADA


Quando um certo personagem aponta para o criminoso 

ou para uma pista decisiva, porém, por algum motivo, 

ninguém lhe dá muita atenção. 


obs: Não contém ending spoiler! As fotos são meramente ilustrativas.


Elenco de "Encontro com a Morte" - episódio do seriado de TV "Poirot"



POR QUE NÃO ME DERAM OUVIDOS?



Para se desvendar um mistério, nada mais importante do que pistas decisivas. Melhor ainda quando alguém aponta diretamente para o criminoso, com testemunho ou argumentos incontestáveis! Pronto: enigma resolvido, caso encerrado!

Mas, com Agatha Christie as coisas não são tão simples assim. Em alguns enredos criados por Agatha Christie, existe alguém que, quando apresenta uma pista vital, contando claramente alguma coisa que viu ou ouviu ou algo que sabe sobre o assassino, ninguém lhe dá crédito.Por que estas pessoas não são levadas a sério imediatamente?

Ou, pior ainda, por que somente quando estas pessoas são silenciadas através de seu assassinato é que os outros vão dar importância àquilo que elas já haviam avisado um bom tempo antes?

Como é que detetives tão espertos, inspetores tão eficientes, personagens tão inteligentes não perceberam a importância daquele fato, seja lá o que for, que a pobre pessoa estava tentando dizer? E por que até mesmo nós, ávido leitores, somos igualmente irresponsáveis e deixamos passar tais pistas!

Resposta: porque tudo isso faz parte de mais um estratagema muito bem arquitetado pelo gênio criativo de Agatha Christie!




EU TE DISSE!  EU TE DISSE!



Elenco de "O Segredo de Chimney" - episódio do seriado de TV  "Marple"


Quando falei de algumas técnicas utilizadas por Agatha Christie para trabalhar as pistas de suas estórias investigativas no artigo Como enganar o leitor direitinho (http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2014/04/o-metodo-christie-como-enganar-o-leitor.html ), apontei, de forma generalizada, para duas técnicas:

a técnica da AGULHA NO PALHEIRO, na qual ela espalha dezenas de pistas ao longo da narrativa, algumas verdadeiras, outras falsas, algumas tolas, outras importantes, mas sem dizer qual é qual, e nos deixando perdidos no meio de um monte de indícios;

e a técnica do SHOW DE MÁGICA, no qual ela apresenta as pistas boas e verdadeiras, porém, igual as mãos ágeis de um mágico, ela desvia nossa atenção destas pistas quentes completamente.

Pois é exatamente um desdobramento da técnica do show de mágica que temos aqui.




A TESTEMUNHA IGNORADA



Elenco de "Os Trabalhos de Hércules" - episódio do seriado de TV "Poirot"


Trata-se da técnica da TESTEMUNHA IGNORADA. As pessoas simplesmente não dão bola para o que aquela testemunha diz – mesmo sendo algo de suma importância para a solução do caso! E por que os outros personagens agem assim, tão displicentemente?

Porque Agatha Christie nos engana a todos – tal qual o mágico hábil e experiente – apresentando um ou mais motivos lógicos e plausíveis para que, sim, esta tal testemunha seja ignorada. Nós, leitores ingênuos, juntamente com os tolos personagens, somos levados a não dar a devida importância a esta testemunha, ainda que, na verdade, ela seja sim, importantíssima!

E como a Rainha do Crime faz isso exatamente, ou seja, nos ilude a todos? Muito simples: ela joga com nossos preconceitos.

Exímia conhecedora da natureza humana, Agatha Christie simplesmente se utiliza de nossos preconceitos contra nós mesmos. Ela define e constrói a personalidade da tal testemunha ignorada como sendo um determinado tipo social o qual nós e os outros personagens menosprezamos ou ridicularizamos ou simplesmente não damos importância. São aqueles tipos sociais que, por um motivo ou outro, achamos que não são pessoas de confiança, ou ainda, que seus relatos não são de confiança. 

Não necessariamente são pessoas das classes inferiores! Pelo contrário: muitas vezes são das classes altas. O foco dos preconceitos é outro: recai diretamente sobre a personalidade da pessoa.
Assim, quando esta testemunha fala alguma coisa – qualquer coisa – automaticamente, em função de nossos preconceitos em desconfiar ou desacreditar nelas, nós a ignoramos. A testemunha cumpre seu papel – revela a pista. Quanto a nós, desprezamos seu relato.




AGORA É TARDE, INÊS É MORTA!



Elenco de "Nêmesis" - episodio do seriado de TV "Marple"


A famosa frase, relativa à história trágica da portuguesa Inês de Castro, não poderia ser mais adequada à técnica utilizada pela nossa britânica Agatha Christie. Alguns exemplos de casos em que ocorre a técnica da testemunha ignorada são quando a tal importante testemunha ignorada é:

1. o principal suspeito – é condenado pelas pessoas antes mesmo do julgamento e tudo o que diz é considerado mentira para se livrar da culpa.

2. o bêbado - tudo o que diz é considerado produto de carraspana

3. a pessoa tola ou esquecida - tudo o que diz é considerado bobagem ou falho.

4. a pessoa antipática, desagradável ou odiada – como ninguém gosta dela, automaticamente tudo o que ela diz é ignorado.

5. a pessoa fofoqueira – acredita-se que sempre inventa ou exagera as estórias.

6. a pessoa idosa –  é considerada boba, surda, que não enxerga bem, antiquada.

7. outros tipos aos quais as pessoas normalmente não dão ouvidos ou desprezam, agindo a partir de uma visão preconcebida sobre a relevância do que eles têm a dizer.


 Há outros tipos, é claro. Estes são apenas alguns. O fato é que, como já foi dito inúmeras vezes: 


Com Agatha Christie, nada e ninguém é o que parece!



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ATENÇÃO: a partir deste ponto: ending spoiller!!

Agora, vejamos alguns exemplos nos livros de Agatha Christie:

a) A Ratoeira – Mrs. Boyle avisa que uma pessoa não pode ser quem ele está fingindo que é, mas como ela é uma mulher antipática de quem ninguém gosta, ela é ignorada.
b) A Extravagância do Morto – um homem de aparência estranha e bêbada diz ter visto um corpo, mas, exceto por sua neta, ninguém acredita nele.
c) Convite para um Homicídio - Dora Bunner conta ao Inspetor Craddock exatamente o que uma pessoa estava fazendo antes do assassinato ser cometido, mas como ela é uma mulher tola e esquecida, ninguém dá importância ao seu relato.

d) A Casa do Penhasco - Brenda Leonides conta que um determinado personagem, que é o assassino, não está bem da cabeça, mas como ela é a principal suspeita do assassinato, ninguém lhe dá ouvidos.


sábado, 7 de março de 2015

CRIMES & CULINÁRIA – UM CREME SEM CULPA


Creme de Devonshire: uma paixão de Agatha Christie!






Quando criei esta seção da blogazine, estava pensando nos bolos, doces, pratos quentes, bebidas e todos os quitutes que aparecem na obra de Agatha Christie com uma constância tão regular quanto os próprios crimes e detetives. Além disso, vinha também demonstrando a relação entre um determinado prato, refeição ou comida qualquer com a estória.

Ocorre que a presença notável de refeições em suas estórias, das mais simples como um corriqueiro café da manhã, às mais sofisticadas, como jantares formais, além da descrição saborosa dos pratos e comidas, se devem a um fato muito simples: o de que Agatha Christie adorava comer bem!



COMA SEM MODERAÇÃO!






Sem culpa, nem pudores, Agatha Christie apreciava uma refeição bem feita ou um prato apetitoso. E o creme de Devonshire era confessadamente o seu predileto, como nos contou na Autobiografia:

Não tenho a menor dúvida: uma das coisas de que mais gostava e provavelmente sempre gostarei é creme de leite. 

Às vezes comíamos o creme de leite com fatias de pão, outras, com a colher.




MUITO MAIS AGRADÁVEL DO QUE ÓLEO DE FÍGADO DE BACALHAU





Comia creme de leite de Devonshire em grandes quantidades; era muito mais agradável do que óleo de fígado de bacalhau, costumava dizer minha mãe.

Infelizmente, hoje em dia é raro encontrar em Devon o verdadeiro creme de leite de Devonshire — pelo menos, não é como o de antigamente —, escaldado e tirado do leite às camadas, com sua nata amarela em uma tigela de porcelana.



CREME DE DEVONSHIRE

SABOREIE VOCÊ TAMBÉM!







INGREDIENTE:

3 copos de creme de leite fresco (não muito pasteurizado)

PREPARO:

Preaqueça o forno a 80°. Despeje o creme em uma assadeira e cubra com papel alumínio. Aqueça por 8 a 10 horas, até que se forme uma camada amarela escura na parte superior.
Despeje o creme em uma panela de cozimento lento (de barro, de preferência). Aqueça por mais 10 a 12 horas, até que se forme novamente uma camada amarela escura na parte superior.

 Transferira a panela com o creme para a pia e deixe até atingir a temperatura ambiente. Leve ao refrigerador durante a noite, ou pelo menos por 8 horas.

Retire a camada superior sólida e coloque em uma tigela ou um copo pequeno. Mexa bem, até que o creme atinja uma consistência lisa.


Está pronto! Coma sem moderação.