quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Poirot: Bigodes & Bengala - A LÓGICA MUITO ILÓGICA DA IDADE DE POIROT (parte 2)




   
David Suchet como Hercule Poirot



PRECISAR  A IDADE DE POIROT: 

UM DESAFIO DIGNO DAS CÉLULAS CINZENTAS!



A longevidade de Hercule Poirot tornou-se um dos mistérios mais intrigantes na história do detetive. Afinal, Poirot nunca foi nenhum atleta – longe disso! Os exercícios físicos não lhe atraiam em nada, ao passo que apreciava com gosto a boa comida. Isto explica por que, com o tempo, Poirot foi adquirindo uma certa forma... arredondada, digamos assim. Então, o que explica sua exímia longevidade?

Na 1ª parte deste artigo, falei sobre a problemática que Agatha Christie teve que enfrentar diante do enorme sucesso do detetive, e também de dois truques utilizados pela escritora para conceder um ar um pouco mais verossímil à questão da idade de Poirot.

Neste artigo, apresento um interessante cálculo realizado pelo site HPC (link permanente na listagem de sites amigos), na tentativa de determinar com a maior veracidade possível a idade do famoso detetive belga.

 

A CHAVE DO MISTÉRIO: 

EM QUE ANO POIROT NASCEU?



Albert Finney como Hercule Poirot


O grande segredo é justamente precisar quando Poirot nasceu! Com esta data em mãos, fica muito mais fácil – e óbvio – determinar sua idade!

Os cálculos a seguir foram realizados com base nos acontecimentos relatados ao longo dos livros protagonizados por Hercule Poirot, levando-se em conta não apenas a ordem cronológica das publicações, mas, sobretudo, a ordem cronológica da história real. Ao se comparar e contrastar estes dois aspectos, pode-se chegar a conclusões mais apuradas que ajudam a lançar um pouco de luz sobre este mistério.

Vamos aos cálculos: 


Trecho de Tragédia em Três Atos:


[Poirot falando com o Sr. Satterthwaite:]

Entrei para a Polícia. Trabalhei duro. Vagarosamente fui sendo promovido. Comecei a fazer nome. Eu mesmo fiz o meu nome. Comecei a ter reputação internacional. E finalmente, estava pronto para me aposentar. Então veio a guerra. Fui ferido.


A guerra a qual Poirot se refere é a 1ª Guerra Mundial, que ocorreu entre 1914 e 1918. Partindo do príncipio de que naquela época a idade para se aposentar era de 60 anos, consideraremos que Poirot tinha 60 anos quando a 1ª Guerra começou, em 1914. Logo, 1914 menos 60 resulta no ano de 1854 – este teria sido o ano em que Poirot nasceu!



Continuação do trecho de Tragédia em Três Atos:

[Poirot falando com o Sr. Satterthwaite:]

Fui ferido. Como refugiado triste e cansado cheguei à Polônia. Uma senhora bondosa ofereceu-me sua hospitalidade. Ela morreu... porém não naturalmente; não, ela foi morta. Empreguei minhas pequenas células cinzentas. Descobri seu assassino. Descobri que ainda não estava acabado. Não, na verdade, todos os meus poderes estavam no auge. E então começou a minha segunda carreira, a de investigador particular na Inglaterra.



Trecho de O Misterioso Caso de Styles:

[Poirot falando com Cynthia e Hastings:]

Eu mesmo estou aqui pela caridade da Sra. Inglethorp. (...) Sim, meu amigo! Ela hospitaleiramente acolheu sete de meus compatriotas refugiados. Nós Belgas sempre lembraremos dela com muita gratidão.


Poirot, portanto, era um refugiado “triste e cansado”, o qual  teve reacesa sua motivação ao solucionar um assassinato na Inglaterra. A partir desse caso, ele pôde dar início a sua nova carreira como detetive particular no país que o acolheu. 

Quando Poirot encontrou o Capitão Hastings em Styles, ele já era um refugiado na Inglaterra. Portanto, supondo que o encontro em Styles ocorreu por volta de 1916 – meados da 1ª Guerra e período em que a Inglaterra havia recebido uma grande parte de refugiados belgas – Poirot teria então 62 anos.



O DESEJO DE SE APOSENTAR 

X 

A TENTAÇÃO DE CASOS INTRIGANTES




David Suchet como Hercule Poirot



Trecho de O Assassinato de Roger Ackroyd:

[Flora:]


É Hercule Poirot, o célebre detetive particular. Já realizou investigações prodigiosas, como essas que vêm nos livros. Aposentou-se, há um ano, da profissão e veio morar para aqui. Meu tio sabia quem ele era, mas prometera-lhe guardar sigilo, já que ele pretendia manter-se tranquilo.

(...)

Uma velha, com uma enorme touca bretã, veio abrir-nos a porta da vila dos Lariços. Introduziu-nos numa saleta invulgarmente arrumada, como se ninguém a habitasse. Momentos depois, apareceu o meu recente amigo da véspera.


Poirot havia manifestado o desejo de se aposentar, retirando-se da vida agitada da cidade e mudando-se para o interior, para morar em uma casa tranquila e rural, na Vila dos Lariços, ajudado nas tarefas domésticas apenas por uma criada típica do interior, com sua “enorme touca bretã”.

Mas, como sabemos, Poirot não se aposentou inteiramente: o velho detetive acaba aceitando o caso. Todavia, faz todo sentido o fato de Poirot já estar se sentindo cansado e desejando se aposentar, pois, levando em consideração o ano de publicação de O Assassinato de Roger Ackroyd, que é 1926, Poirot deveria estar então com 72 anos de idade.



Trecho de Os Trabalhos de Hercules:



[Dr. Burton:] 


Veja você, agora; está ficando mais velho, vai querer se afastar das coisas, ficar mais tranquilo — e o que é que vai fazer com as suas horas futuras?

A resposta de Poirot foi pronta.

— Vou dedicar-me, muito seriamente, à cultura de abobrinhas.

O Dr. Burton ficou estarrecido.

(...)

— Mas você quer mesmo dizer que anda pensando em aposentar-se?

— Ando.

O outro deu uma risada. — Aposto que não se aposenta.

— Mas eu lhe garanto...

— Ora, homem; não vai conseguir. Você tem interesse demais em seu trabalho.

— Nada disso — já estou até tomando as providências necessárias.

Apenas mais uns poucos casos — muito bem escolhidos — não tudo o que aparecer, compreenda — apenas problemas que me fascinem pessoalmente.

O Dr. Burton sorriu.

— É exatamente isso. Só um caso aqui, outro ali. Vai parecer o eterno recital de despedida da prima donna, um último caso atrás do outro!


Aqui, Poirot deixa bem clara sua intenção de se aposentar. Ele possui até um plano: pegar um caso aqui, outro ali, escolhidos a dedo, e aposentar-se em breve, para passar a se dedicar ao cultivo de abobrinhas. Ele está realmente dedicado às leguminosas,  as quais ele considera que não precisam ser insossas e pretende conseguir apurar seu cultivo de tal modo que tornem-se saborosas.

A época da publicação de Os Trabalhos de Hercule – os contos entre 1939 e 1940, e, mais tarde, a coletânea em 1947 – podemos considerar que Poirot estaria com 93 anos de idade.





POIROT: OLHOS ETERNAMENTE PENETRANTES E CINTILANTES



David Suchet como Hercule Poirot e Hugh Fraser como Cap. Hastings




Trecho de Cai o Pano: descrição que o Capitão Hastings faz de Poirot no início do livro:

Nada é mais triste, na minha opinião, do que a devastação causada pela idade. 


Meu pobre amigo! Já tive ocasião de descrevê-lo várias  vezes. Faço-o agora novamente para que possam aperceber-se da diferença sofrida.


Coxo, em virtude do artritismo, via-se obrigado a impelir-se, a braços, numa cadeira de rodas. A sua cara gorducha mostrava-se agora flácida e pendurada. Tornara-se num homenzinho magro. Na verdade, o bigode e o cabelo mostravam-se, perfeitamente, negros de azeviche, contrastando com a palidez do rosto macilento e enrugado. Por nada deste mundo seria capaz de magoá-lo, exprimindo o que candidamente senti nesse momento. Aquele contraste era um triste erro. Há uma altura na vida em que a cor do cabelo morre, causando certo desgosto a quem vê, nessa despigmentação natural, um falso indício de senilidade. Se alguns anos antes me tivessem dito que a cor negra do cabelo e do bigode de Poirot saíam de um frasco de tinta, deixar-me-iam deveras surpreendido. Mas agora essa característica era por demais teatral, criando a impressão de que usava chino e adornava o lábio superior na intenção de divertir as crianças.


Só os seus olhos eram os mesmos de sempre, penetrantes e cintilantes, e agora, indubitavelmente, ternos de emoção.


Poirot estava visivelmente muito idoso a época de sua última aventura, exceto, é claro, pela vivacidade permanente em seus olhos. Considerando a descrição do Capitão Hastings e a data de publicação de Cai o Pano, que foi no ano de 1975, podemos concluir que Poirot tinha então a fantástica idade de 121 anos!




E O MISTÉRIO CONTINUA…




É evidente que esta é uma idade demasiada avançada, até mesmo nos dias de hoje, com todo a modernidade da medicina. Mas é o que as evidências, dentro desta linha de raciocínio: a comparação entre os fatos narrados nos livros, as datas de publicação e os fatos históricos.

Em vista de o resultado ser uma idade um tanto quanto inverossímil – 121 anos, a teoria apresentada na 1ª parte deste artigo – aquela da fórmula de 3 para 1, ou seja, para cada 3 anos “normais”, Poirot só viveu 1 ano – torna-se mais plausível. (Eu disse “mais plausível” para a teoria da fórmula?!)


Bem, bem, caros fãs: façam suas escolhas:

Ou Poirot viveu até os 121 anos de idade!

Ou ele só viveu 1 ano para cada 3 anos nossos.

Ou então... tente elaborar uma nova teoria para solucionar este mistério!




sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Poirot: Bigodes & Bengala - A LÓGICA MUITO ILÓGICA DA IDADE DE POIROT (parte 1)


David Suchet como Hercule Poirot





— Não sei... ah, meu Deus, não sei como... O senhor não vê, é tão difícil. Eu... eu mudei de ideia. Não leve a mal, mas... acho que vou embora.

— Vamos. Coragem.

— Pensei que pudesse chegar e. .. e lhe perguntar, perguntar o que devo fazer... mas não posso... o senhor não percebe? É tão diferente do que eu pensava...

— Diferente, como?

— Por favor, desculpe, eu não quero ser grosseira, mas... Ela respirou com força, olhou para Poirot, desviou o olhar, e por fim as palavras irromperam: — O senhor é velho demais. Não me disseram que era tão velho. Não quero parecer mal educada, mas é isso: O senhor é velho demais. Desculpe, por favor.

(A Terceira Moça)


*   *   *   *   *   *   


Pobre Poirot! Norma Restarick desiste de contar-lhe uma coisa importante quando descobre que ele é “muito velho”. Mas a idade de Poirot não tem sido um problema apenas para a jovem Norma: ela tem intrigado há décadas os leitores e críticos, para não falar na provável dor de cabeça que causou na própria Agatha Christie.

“Que erro terrível eu cometi ao criar Hercule Poirot já tão velho.” confessou Agatha Christie na Autobiografia. 

A questão é que a escritora não contava que o detetive belga fôsse fazer tanto sucesso e, consequentemente, perdurar ainda por tantos livros e por tantos anos. Para piorar o dilema, ela o criou já como um policial aposentado, o que o envelheceu ainda mais desde o início.

“Como resultado, meu detetive ficcional deve ter mais de 100 anos hoje em dia!”

125 anos. Esta é a idade aproximada de Poirot à época de sua última aventura, Cai o Pano, conforme concordam estudiosos e especialistas.




OS  CABELOS  TINGIDOS  QUE  COBREM  AS  CÉLULAS  CINZENTAS



Albert Finney como Hercule Poirot


Manter uma lógica sobre a idade de Poirot que seja realistica e matemática, como, aliás, ele próprio apreciaria, ficou impossível. Eu deveria tê-lo abandonado após os primeiros três ou quatro livros e começado novamente com alguém mais novo, lamentou-se Agatha Christie. 

Afinal, fazer com que a idade avançada do detetive parecesse minimamente plausível diante dos fatos tornou-se um trabalho desafiador, até mesmo para as famosas células cinzentas.

Mas Agatha Christie bem que tentou. Um de seus truques foram os cabelos tingidos de Poirot: 


O cabelo do inspetor Spence estava todo grisalho agora; antes ele tinha apenas alguns fios de cabelos brancos nas têmporas. (...)

 Já estou velho agora disse Spence.

 Ambos estamos.

 Não há muito cabelo branco em sua cabeça observou Spence.

 Resolvo isso com um preparado observou Poirot.

 Não há necessidade de se aparecer em público com cabelos brancos, a menos que se queira.

 Bem, não creio que a pintura me assentaria disse Spence.

(Noite das Bruxas)


Ao contrastar o ex-policial Spence com Poirot, Agatha não deixa de mostrar a passagem do tempo – o policial tinha só alguns fios brancos e agora estava todo grisalho – mas assegura que Poirot tenha uma aparência mais jovem, ainda que através do recurso da tintura.




A  FÓRMULA  DA  IDADE






Porém, seu melhor truque foi manipular a passagem do tempo – sem muita lógica realística, infelizmente – especialmente para fazer com que o detetive envelhecesse sim, mas, paulatinamente. 

Sanders e Lovallo, autores de The Agatha Christie Companion, apontam para uma fórmula da idade nos livros com Poirot: a relação de 3 para 2. Através desta fórmula seria possível determinar a idade de Poirot, de modo que Poirot envelheceria aproximadamente 2 anos para cada 3 anos do calendário.   

A mim, essa explicação – se é que pode-se chamá-la assim – parece bastante plausível. 

Hum… eu disse plausível? Que os anos passem cerca de 12 meses mais devagar para uma só pessoa?  Não, ce n'est pas possible! - como diria o próprio Hercule.
 



A  MAIOR  DAS  IRONIAS 




David Suchet como Hercule Poirot


Parece, afinal, que, por grande ironia, justamente para aquele homem que preza a ordem, o método e a lógica racional acima de tudo, sua idade e seu envelhecimento neste mundo estejam cercados de ilogicidade e impossibilidades.

Hum, mas há uma solução – e é matemática, como muito apreciaria Hercule Poirot!

Na parte 2 deste artigo, falarei sobre os cálculos matemáticos que buscam definir com precisão a idade do detetive. Aguardem, por favor!



quinta-feira, 15 de outubro de 2015

PERSONAGENS que também AMAMOS- ARIADNE CONTA TUDO (parte 3) sobre PESSOAS





Zoe Wannamaker como Mrs. Ariadne Oliver


Alguns suspeitam, outros têm certeza: Mrs. Ariadne Oliver, personagem criada por Agatha Christie, seria de fato uma versão autobiográfica da própria Agatha. 


Coincidências não faltam: ambas são escritoras de sucesso de romances policiais, ambas adoram maçãs, ambas até possuem um personagem – um famoso detective, que é venerado pelos fãs, mas que elas, suas criadoras, simplesmente odeiam. (Veja mais detalhes sobre essas coincidências no artigo: Mrs. Oliver seria a própria Agatha Christie?  (http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2013/07/quarta-e-dia-de-last-but-not-least.html )


Acredita-se que Agatha Christie se utilizava da voz de Mrs. Oliver para expressar suas ideias sobre os mais variados assuntos.


Através da série Ariadne conta tudo, eu venho apresentando excertos dos livros nos quais Mrs. Oliver aparece e manifesta alguma opinião interessante – às vezes até polêmica – a qual, muito provavelmente, era na verdade o que pensava Agatha Christie.


Nos artigos anteriores:

parte 1 - sobre A ARTE DE ESCREVER e A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS
 http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2014/09/o-metodo-christie-as-confissoes-veladas.html 

 parte 2 - sobre ASSASSINATOS, ASSASSINOS e suas VÍTIMAS
http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2015/02/o-metodo-christie-o-que-possivelmente.html 


Neste 3º artigo, vejamos o que Ariadne Oliver tem a nos revelar como indícios das ideias da Rainha do Crime acerca de diferentes pessoas que povoam o universo de uma escritora: pessoas comuns, fãs, editores e adaptadores de seus livros.


 
Zoe Wannamaker como Mrs. Ariadne Oliver



PESSOAS COMUNS

  
"Os homens sabem tomar conta de si mesmos e, nesse caso, eu não teria me importado tanto."

"Acho as árvores muito mais simpáticas do que as pessoas, muito mais repousantes."

"As pessoas são tão estúpidas."

"São todas de modo geral simpáticas, mas quem sabe?"



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Não consigo imaginar por que escolhi a mulher iugoslava de um Cientista Atômico para ser a vítima! - disse a Sra. Oliver, passando as mãos pelo sofisticado penteado de maneira tão frenética que parecia estar ligeiramente bêbada.

Foi uma completa imbecilidade minha. Poderia muito bem ter sido o segundo jardineiro, que não era o que parecia e isso seria bem menos complicado porque, afinal de contas, na maioria, os homens sabem tomar conta de si mesmos e, nesse caso, eu não teria me importado tanto.


(A Extravagância do morto) 




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— Adoro as pessoas, você não gosta? — disse Robin com alegria.

— Não — disse a Sra. Oliver com firmeza.

— Mas você devia gostar. Com todas as pessoas que põe em seus livros.

— E diferente. Acho as árvores muito mais simpáticas do que as pessoas, muito mais repousantes.


(A Morte da Senhora McGinty) 




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Onde pretendia que fosse?

Naquela engraçada casinha metida no meio dos rododendros, perto da casa. Achei que aquele era exatamente o lugar. Mas então alguém, não consigo lembrar com precisão quem, começou a insistir que deveria ser encontrado na Extravagância. Bom, isso, naturalmente, era uma idéia absurda! Quero dizer, qualquer pessoa poderia caminhar até ali, casualmente, e achá-lo, sem ter seguido uma única pista. As pessoas são tão estúpidas. Claro que eu não poderia concordar com isso.


 (A Extravagância do Morto)




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Tirando furtivamente seus sapatos e mastigando ainda tranquilamente sua maçã, a Sra. Oliver reclinou-se mais uma vez no sofá, observando criticamente a sala cheia de gente. Pensava em seu espírito criador. “Se eu tivesse de escrever um livro com todas essas personagens, como me sairia? São todas de modo geral simpáticas, mas quem sabe?“De certo modo”, pensava, “era um tanto fascinante não saber nada a respeito delas.”


(Noite das Bruxas)






AH, OS FÃS...




 "Vêm dizer coisas — que adoraram meus livros, que estavam loucas de vontade de me conhecer — eu fico logo encabulada, sentindo-me tão boba."


 "Não posso imaginar por que as pessoas se interessam tanto em ouvir os autores falarem a respeito de escrever. Eu deveria ter pensado que o negócio do escritor é escrever e não falar."




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Há as pessoas que me vêm dizer coisas — que adoraram meus livros, que estavam loucas de vontade de me conhecer — eu fico logo encabulada, sentindo-me tão boba...


(A Terceira Moça)




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É esplêndido que tenha me telefonado  disse.  Eu estava saindo para fazer uma palestra sobre como escrevo meus livros. Agora posso mandar minha secretária ligar e dizer que estou presa por um compromisso inadiável.

Mas Madame, não deve deixar que eu impeça...

Não é caso de impedir - disse a Sra. Oliver alegremente. Eu iria bancar uma completa idiota. [...] Não posso imaginar por que as pessoas se interessam tanto em ouvir os autores falarem a respeito de escrever. Eu deveria ter pensado que o negócio do escritor é escrever e não falar.


(A Extravagância do Morto)





EDITORES



 
Zoe Wannamaker como Mrs. Ariadne Oliver




"Não acredito que o senhor saiba se alguma coisa que eu escrevo é boa ou ruim." 



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A Sra. Oliver andava de um lado para outro, em sua sala de estar. Estava agitadíssima. Uma hora antes, tinha empacotado um maço de provas que acabara de corrigir. Tinha de mandá-las para o seu editor, que as esperava ansiosamente, já tendo reclamado mais de uma vez pela demora.

— Aí está — disse a Sra. Oliver, como se, por um passe de mágica, o editor tivesse repentinamente aparecido à sua frente.

— Aí está, e espero que goste! Eu não gosto. Acho uma porcaria! Não acredito que o senhor saiba se alguma coisa que eu escrevo é boa ou ruim. De qualquer maneira, eu lhe avisei. Eu lhe disse que era horrível. O senhor disse que "não, impossível, impossível". — Agora, espere só, e verá — continuou ela, com um tom vingativo. — Espere, e verá. 


(A Terceira Moça)





ADAPTADORES DOS LIVROS




"Todos dizem que ele é muito inteligente. Se ele é tão inteligente, não vejo por que não possa escrever a sua própria peça de teatro e deixar o meu pobre e infortunado finlandês em paz."



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—Um livro meu está sendo dramatizado — por Robin Upward. Nós deveríamos chegar a uma idéia sobre ele.

— Meus parabéns, Madame.

— Não é nada do que está pensando — disse a Sra. Oliver. — Até agora foi uma mera agonia. Eu não sei por que fui me deixar levar. [...] O senhor não tem ideia da agonia de ter os seus

personagens obrigados a dizerem coisas que eles nunca teriam dito e fazerem coisas que eles nunca teriam feito. E, se você protesta, tudo o que eles dizem é que é “bom teatro”. É isto que pensa Robin Upward. Todos dizem que ele é muito inteligente. Se ele é tão inteligente, não vejo por que não possa escrever a sua própria peça de teatro e deixar o meu pobre e infortunado finlandês em paz.
 

(A Morte da Senhora McGinty)