NATAL: A FESTA SUPREMA!
Feche os olhos e
imagine acordar pela manhã e encontrar lindas meias decoradas recheadas de
presentes. E mais presentes ao pé da árvore de Natal e nas cadeiras ao redor da
mesa do almoço de Natal. Ah, imagine pasteis recheados, sopas especiais, carne
assada, peru, tortas. E bolos de passas, de frutas cristalizadas, pudim de
ameixa, bolos de pão de ló e de rum e um especial, recheado com moedas e
pequenos objetos, como parte de uma brincadeira.
Agora imagine um
casarão vitoriano, enorme, com dezenas de quartos e corredores e escadas e
saletas e nichos e paredes forradas de cetim e janelas enormes e pesadas
cortinas e pianos de calda e enfeites que brilhavam intensamente.
E agora misture tudo
isso! Assim eram os Natais de Agatha Christie quando criança. Mas o melhor
mesmo é lê-la contando-nos suas aventuras de Natal, as gulodices e as
brincadeiras com outras crianças, os rituais e as festividades daquela época, em
suas próprias palavras.
A seguir, reproduzo um
trecho que considero adorável da Autobiografia, no qual a escritora
nos descreve seis Natais de infância. Aproveite para fechar os olhos e se
imaginar naquele tempo e naquele lugar, tão mágicos e especiais como foram para
nossa querida Rainha.
E tenha um FELIZ NATAL!
UMA CASA MARAVILHOSA
PARA PASSAR O
NATAL
Costumávamos passar o Natal em Cheshire,
em casa dos Watts. (...) Mamãe e eu íamos para Cheadle e, como a casa que estava
sendo construída para Madge e Jack, chamada Manor Lodge, ainda não estivesse
pronta, passávamos o Natal em Abney Hall, com os pais de Jimmy, seus quatro
filhos e Jack.
Era uma casa maravilhosa para que uma
criança ali passasse o Natal. Era enorme, em estilo gótico-vitoriano, com
numerosos quartos, corredores, degraus inesperados, escadas nos fundos, escadas
na frente, alcovas, nichos — tudo de que uma criança mais gosta neste mundo —,
e também havia três pianos, nos quais tínhamos licença de tocar, e um órgão.
Faltava, porém, a essa casa um pouco mais de luz: era notavelmente escura,
exceto a sala grande, de paredes forradas de cetim e com grandes janelas. (...)
O PARAÍSO
DOS GULOSOS
Abney era o paraíso dos gulosos. Em casa
da sra. Watts havia, junto do hall,
um
cômodo que era chamado de despensa. Não era, como a de vovó, uma espécie de
tesouro bem trancado, do qual se tiravam coisas. Ali, o acesso era livre, e em
toda a extensão das paredes havia prateleiras repletas de coisas deliciosas, de
todos os gêneros. Um dos lados estava cheio de chocolates, caixas e caixas de
chocolates, todos diferentes... Havia biscoitos, pães de gengibre, compotas de
frutas, geleias, etc.
NAS CAMAS, MEIAS COM PRESENTES
O Natal era a festa suprema, algo que
jamais poderei esquecer. Nas nossas camas, encontrávamos as meias com os presentes.
Ao café da manhã, cada qual tinha sua cadeira coberta de presentes. Depois,
corríamos à igreja e regressávamos apressados, para continuar a abrir nossos
presentes.
Às duas da tarde, servia-se o almoço de
Natal, com as janelas fechadas e as luzes acesas, que faziam rebrilhar os
enfeites natalícios. Primeiro, comíamos sopa de ostras (que eu não apreciava
muito), rodovalho, peru cozido, peru assado e um grande assado de filé. A isso seguia-se
pudim de ameixas, pastéis recheados com passas e frutas secas e um bolo
delicioso, onde também metiam moedas, pequenos objetos tais como porquinhos,
anéis e várias outras surpresas. Depois, seguiam-se inúmeras sobremesas!
Em um livro meu, A aventura do pudim de Natal, descrevi
um desses festivais. Era um espetáculo como esta geração jamais verá. Tenho
dúvidas de que a gente de hoje digeriria tudo aquilo. Nós, pelo menos,
aguentávamos muito bem!
TENHO DÚVIDAS DE QUE A GENTE DE HOJE
DIGERIRIA TUDO AQUILO
Geralmente eu competia, em proezas
alimentares, com Humphrey Watts, o irmão que vinha logo depois de James. Calculo
que, nessa altura, contasse entre vinte e um e vinte e dois anos, ao passo que
eu teria uns doze ou treze. (...) Humphrey e eu comíamos fartamente no nosso
almoço de Natal. Ele ganhava de mim na sopa de ostras, mas no resto empatávamos.
Primeiro, comíamos ambos peru assado,
depois peru cozido e, para terminar, quatro ou cinco fatias de filé. É possível
que as pessoas de mais idade se contentassem com uma única qualidade de peru;
tanto quanto me lembro, porém, o velho sr. Watts comia peru e comia também
filé. Depois comíamos pudim de ameixas, pastéis de passas e bolo — eu não comia
muito desse bolo, uma espécie de pão de ló embebido em rum, porque não gostava
de bebidas alcoólicas. Depois vinham as balas de estalo, as uvas, as laranjas,
as ameixas de Elvas, as ameixas de Carlsbad e as frutas cristalizadas.
Finalmente, durante a tarde, íamos buscar mancheias de chocolates que
distribuíamos conforme nossas preferências. Será que eu não ficava doente no dia seguinte?
Não, creio que não. (...) Seja como for, não me lembro de jamais ter ficado
doente no Natal.
UMA ÉPOCA BASTANTE
VULGAR E GLUTONA
Nan Watts era exatamente como eu, possuía
também um estômago esplêndido. De fato, quando recordo esses tempos, fico convencida
de que todo mundo possuía estômago bastante bom! Acredito que as pessoas
sofressem de úlceras gástricas e duodenais e que tivessem de tomar cuidado, mas
não me lembro de ninguém vivendo em regime de peixe e leite.
Uma época bastante vulgar e glutona? De
acordo, mas também de grande deleite e fruição. Considerando as quantidades que
comi na minha juventude (porque eu estava sempre com fome), não posso imaginar
como me mantinha tão magra — uma franga magricela, realmente!
UM DIA ESPLÊNDIDO
Depois da agradável inércia da tarde do
dia de Natal — agradável, quero dizer, para os mais velhos: os jovens liam
livros, olhavam seus presentes, comiam mais chocolates, etc. —, servia-se um
chá imenso, com um bolo de Natal coberto de açúcar e, finalmente, mais tarde
ainda, havia uma ceia de peru frio e pastéis quentes de frutas secas.
Por volta das nove horas, via-se a árvore
de Natal, com mais presentes pendurados nela. Um dia esplêndido, um dia para
ser rememorado até o ano seguinte, quando ele chegava e tudo recomeçava. (...)
CRIANÇAS
BERRANDO CANÇÕES EM
CORO
No Boxing* Day, 26 de dezembro, em que
todas as lojas de Londres fechavam, íamos sempre ver pantomimas em Manchester —
eram muito boas, essas pantomimas. Regressávamos de trem, entoando todas as
músicas das pantomimas, e os Watts cantavam com o sotaque de Lancashire.
Recordo que berrávamos em coro: “Eu nasci
numa sexta-feira, eu nasci numa sexta-feira, quando (crescendo!) minha mãe não
estava em casa!” Ou então: “Espiando os trens chegar, espiando os trens partir,
depois de espiarmos todos os trens chegar, nós espiávamos os trens PARTIR”. Nossa canção preferida era cantada por
Humphrey em melancólico solo: “Pela janela, a janela, eu a atirei pela janela.
Não estou sofrendo agora, querida mãe. Atirei a dor pela janela”.
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*Obs: Boxing Day é primeiro dia útil depois
do Natal, que é feriado em Londres. Era o dia em que se davam presentes aos
profissionais que nos servem cotidianamente, como o entregador de leite, o
carteiro, o verdureiro, o motorista do carro de aluguel, etc.
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