quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Especial Natal - AGATHA CHRISTIE RELEMBRA O NATAL DE SUA INFÂNCIA




NATAL:  A  FESTA  SUPREMA!








Feche os olhos e imagine acordar pela manhã e encontrar lindas meias decoradas recheadas de presentes. E mais presentes ao pé da árvore de Natal e nas cadeiras ao redor da mesa do almoço de Natal. Ah, imagine pasteis recheados, sopas especiais, carne assada, peru, tortas. E bolos de passas, de frutas cristalizadas, pudim de ameixa, bolos de pão de ló e de rum e um especial, recheado com moedas e pequenos objetos, como parte de uma brincadeira.

Agora imagine um casarão vitoriano, enorme, com dezenas de quartos e corredores e escadas e saletas e nichos e paredes forradas de cetim e janelas enormes e pesadas cortinas e pianos de calda e enfeites que brilhavam intensamente.

E agora misture tudo isso! Assim eram os Natais de Agatha Christie quando criança. Mas o melhor mesmo é lê-la contando-nos suas aventuras de Natal, as gulodices e as brincadeiras com outras crianças, os rituais e as festividades daquela época, em suas próprias palavras. 

A seguir, reproduzo um trecho que considero adorável da Autobiografia, no qual a escritora nos descreve seis Natais de infância. Aproveite para fechar os olhos e se imaginar naquele tempo e naquele lugar, tão mágicos e especiais como foram para nossa querida Rainha.

E tenha um FELIZ NATAL! 




UMA  CASA  MARAVILHOSA  PARA  PASSAR  O  NATAL








Costumávamos passar o Natal em Cheshire, em casa dos Watts. (...) Mamãe e eu íamos para Cheadle e, como a casa que estava sendo construída para Madge e Jack, chamada Manor Lodge, ainda não estivesse pronta, passávamos o Natal em Abney Hall, com os pais de Jimmy, seus quatro filhos e Jack.

Era uma casa maravilhosa para que uma criança ali passasse o Natal. Era enorme, em estilo gótico-vitoriano, com numerosos quartos, corredores, degraus inesperados, escadas nos fundos, escadas na frente, alcovas, nichos — tudo de que uma criança mais gosta neste mundo —, e também havia três pianos, nos quais tínhamos licença de tocar, e um órgão. Faltava, porém, a essa casa um pouco mais de luz: era notavelmente escura, exceto a sala grande, de paredes forradas de cetim e com grandes janelas. (...)




O  PARAÍSO  DOS GULOSOS







Abney era o paraíso dos gulosos. Em casa da sra. Watts havia, junto do hall, um cômodo que era chamado de despensa. Não era, como a de vovó, uma espécie de tesouro bem trancado, do qual se tiravam coisas. Ali, o acesso era livre, e em toda a extensão das paredes havia prateleiras repletas de coisas deliciosas, de todos os gêneros. Um dos lados estava cheio de chocolates, caixas e caixas de chocolates, todos diferentes... Havia biscoitos, pães de gengibre, compotas de frutas, geleias, etc. 





NAS CAMAS, MEIAS COM PRESENTES










O Natal era a festa suprema, algo que jamais poderei esquecer. Nas nossas camas, encontrávamos as meias com os presentes. Ao café da manhã, cada qual tinha sua cadeira coberta de presentes. Depois, corríamos à igreja e regressávamos apressados, para continuar a abrir nossos presentes.

Às duas da tarde, servia-se o almoço de Natal, com as janelas fechadas e as luzes acesas, que faziam rebrilhar os enfeites natalícios. Primeiro, comíamos sopa de ostras (que eu não apreciava muito), rodovalho, peru cozido, peru assado e um grande assado de filé. A isso seguia-se pudim de ameixas, pastéis recheados com passas e frutas secas e um bolo delicioso, onde também metiam moedas, pequenos objetos tais como porquinhos, anéis e várias outras surpresas. Depois, seguiam-se inúmeras sobremesas!

Em um livro meu, A aventura do pudim de Natal, descrevi um desses festivais. Era um espetáculo como esta geração jamais verá. Tenho dúvidas de que a gente de hoje digeriria tudo aquilo. Nós, pelo menos, aguentávamos muito bem!





TENHO DÚVIDAS DE QUE A GENTE DE HOJE 
DIGERIRIA TUDO AQUILO









Geralmente eu competia, em proezas alimentares, com Humphrey Watts, o irmão que vinha logo depois de James. Calculo que, nessa altura, contasse entre vinte e um e vinte e dois anos, ao passo que eu teria uns doze ou treze. (...) Humphrey e eu comíamos fartamente no nosso almoço de Natal. Ele ganhava de mim na sopa de ostras, mas no resto empatávamos.

Primeiro, comíamos ambos peru assado, depois peru cozido e, para terminar, quatro ou cinco fatias de filé. É possível que as pessoas de mais idade se contentassem com uma única qualidade de peru; tanto quanto me lembro, porém, o velho sr. Watts comia peru e comia também filé. Depois comíamos pudim de ameixas, pastéis de passas e bolo — eu não comia muito desse bolo, uma espécie de pão de ló embebido em rum, porque não gostava de bebidas alcoólicas. Depois vinham as balas de estalo, as uvas, as laranjas, as ameixas de Elvas, as ameixas de Carlsbad e as frutas cristalizadas. Finalmente, durante a tarde, íamos buscar mancheias de chocolates que distribuíamos conforme nossas preferências.  Será que eu não ficava doente no dia seguinte? Não, creio que não. (...) Seja como for, não me lembro de jamais ter ficado doente no Natal. 





UMA  ÉPOCA  BASTANTE  VULGAR  E  GLUTONA







Nan Watts era exatamente como eu, possuía também um estômago esplêndido. De fato, quando recordo esses tempos, fico convencida de que todo mundo possuía estômago bastante bom! Acredito que as pessoas sofressem de úlceras gástricas e duodenais e que tivessem de tomar cuidado, mas não me lembro de ninguém vivendo em regime de peixe e leite.

Uma época bastante vulgar e glutona? De acordo, mas também de grande deleite e fruição. Considerando as quantidades que comi na minha juventude (porque eu estava sempre com fome), não posso imaginar como me mantinha tão magra — uma franga magricela, realmente!




UM DIA ESPLÊNDIDO







Depois da agradável inércia da tarde do dia de Natal — agradável, quero dizer, para os mais velhos: os jovens liam livros, olhavam seus presentes, comiam mais chocolates, etc. —, servia-se um chá imenso, com um bolo de Natal coberto de açúcar e, finalmente, mais tarde ainda, havia uma ceia de peru frio e pastéis quentes de frutas secas.

Por volta das nove horas, via-se a árvore de Natal, com mais presentes pendurados nela. Um dia esplêndido, um dia para ser rememorado até o ano seguinte, quando ele chegava e tudo recomeçava. (...)




CRIANÇAS  BERRANDO  CANÇÕES  EM  CORO 










No Boxing* Day, 26 de dezembro, em que todas as lojas de Londres fechavam, íamos sempre ver pantomimas em Manchester — eram muito boas, essas pantomimas. Regressávamos de trem, entoando todas as músicas das pantomimas, e os Watts cantavam com o sotaque de Lancashire.

Recordo que berrávamos em coro: “Eu nasci numa sexta-feira, eu nasci numa sexta-feira, quando (crescendo!) minha mãe não estava em casa!” Ou então: “Espiando os trens chegar, espiando os trens partir, depois de espiarmos todos os trens chegar, nós espiávamos os trens PARTIR”.  Nossa canção preferida era cantada por Humphrey em melancólico solo: “Pela janela, a janela, eu a atirei pela janela. Não estou sofrendo agora, querida mãe. Atirei a dor pela janela”.



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*Obs: Boxing Day é primeiro dia útil depois do Natal, que é feriado em Londres. Era o dia em que se davam presentes aos profissionais que nos servem cotidianamente, como o entregador de leite, o carteiro, o verdureiro, o motorista do carro de aluguel, etc. 



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