MANUAL PARA SE CRIAR A FRASE DE ABERTURA PERFEITA
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Caros leitores, já
começo este artigo dizendo que o manual definitivo para se criar a frase de
abertura perfeita não existe! Encontramos facilmente dezenas de dicas para se
conceber uma frase ou parágrafo de abertura ideal, assim como também nos
deparamos com um outro punhado de dicas de como nunca começar uma história, apontando
o que consideram como “erros” de frases de abertura. A maioria das dicas é
muito boa de fato. O engraçado, porém, é quando um texto aconselha a jamais
fazer exatamente aquilo que o outro texto diz que é essencial fazer sempre. Portanto,
cabe a você lançar mão do bom senso, se concentrar em seu estilo de escrita, manter
em mente seu propósito para o romance que está escrevendo e decidir qual dica é
apropriada para o seu caso.
Todos os sites de
dicas, porém, concordam em um aspecto: a relevância ímpar da frase ou do
parágrafo de abertura para captar a atenção do leitor e instigá-lo a continuar
lendo seu texto. Isso posto, eu diria que as três principais regras do “Manual
para se criar a frase de abertura perfeita” são:
1- Com bom senso, use e abuse de seu próprio talento
e de sua criatividade: produza uma frase ou parágrafo que cative tanto a
atenção do leitor, que aguce tanto sua curiosidade, que ele não tenha outro
remédio se não continuar lendo o seu texto.
2- Divirta-se ao escrever sempre. É clichê, mas é
verdade: se você faz o que gosta, você faz melhor.
3- Inspire-se em um autor que admira!
Assim, neste artigo,
selecionei algumas das frases ou parágrafos de abertura das obras de Agatha
Christie e as coloquei como exemplo de algumas das dicas mais populares.
Importante ressaltar que frequentemente a mesma frase/ parágrafo de abertura
pode se encaixar em mais de uma classificação, pois elas se imiscuem. Aliás, ser
capaz de cobrir vários itens em uma só frase/ parágrafo de abertura não é para
amadores na escrita. Por isso, é sempre sábio aprender com a mestra!
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Cena de montagem de “Assassinato no Expresso do Oriente” em peça teatral no Teatro The Globe |
1. Menos é mais
– Creio que esse era o mote de Agatha não só para a frase/ parágrafo de
abertura, mas para toda a história. Frases de abertura curtas e diretas são
mais intrigantes do que as longas e rebuscadas. Se for este seu objetivo, deixe
os detalhes, informações, explicações e descrições para depois, no momento
certo.
Foi a Srta. Lemon, a eficiente secretária de
Poirot, quem atendeu o telefone.
(A Extravagância do Morto)
Renisenb ficou olhando para o Nilo.
(E no Final a Morte)
O problema que nos foi apresentado pela srta.
Violet Marsh provocou uma mudança agradável em nossa rotina de trabalho.
(O caso do Testamento Desaparecido)
Íris Marle estava pensando na irmã, Rosemary.
(Um Brinde de Cianureto)
Hercule Poirot esticou os pés na direção do
radiador elétrico embutido na parede.
(Os Íris Amarelos)
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Joan Hickson no papel de Miss Marple em seriado da BBC |
2. Ora, ora! Exclamações
– As orações exclamativas também têm o seu lugar. A excitação que elas
perpassam pode ser muito atraente, especialmente jogadas assim logo no início,
sem qualquer contextualização prévia.
Inglaterra! Inglaterra, depois de tantos anos!
(É Fácil Matar)
– Tommy!
– Tuppence!
Os dois jovens cumprimentaram-se com efusão e, por
instantes, interromperam o trânsito à saída da estação de Dover Street.
(O Inimigo Secreto)
Hercule Poirot franziu a testa e chamou:
– Miss Lemon!
– Diga, M. Poirot.
– Há três
erros nesta carta!
(Poirot e os Erros da Datilógrafa)
– Estou-lhe dizendo, é a mesma mulher. Não há
dúvida alguma!
O Capitão Haydock olhou para o rosto animado e
ansioso do seu amigo e suspirou. Gostaria que Evans não se mostrasse tão
positivo e veemente.
(Um Acidente)
– E esta – disse Jane Helier, terminando as
apresentações – é Miss Marple!
(Estranha Charada)
– Mas como têm ocorrido roubos de títulos
ultimamente! – comentei certa manhã, largando o jornal que estava lendo, –
Poirot, acho que seria uma boa ideia largarmos a ciência da investigação
criminal e, em vez disso, nos dedicarmos ao crime.
(O roubo de um Milhão de Dólares em Obrigações do
Tesouro)
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David Suchet no papel de Poirot em seriado da BBC |
3. Oh! – Já
que estamos falando de emoções, a surpresa ocupa um lugar de destaque.
Usar como frase de abertura uma declaração absolutamente inusitada, uma
afirmação fora do convencional, torna-se algo bem intrigante para o leitor.
Mrs. Ferrars morreu na noite de quinta-feira, de 16
para 17 de setembro.
(Assassinato de Roger Ackroyd)
Eu estava parado na janela da sala de Poirot,
olhando ociosamente para a rua lá embaixo.
– Mas que coisa estranha! – murmurei de repente.
(A Aventura do Estrela do Ocidente)
Elinor Katharine Carlisle. comparece perante este
tribunal acusada de ter morto Mary Gerrard no dia 27 de julho passado.
Confessa-se culpada ou não.
(Cipreste Triste)
O Sr. Mayherne ajustou o pince-nez e limpou a
garganta com uma tosse sequinha, típica
dele. Depois olhou novamente para o homem à sua frente,
acusado de homicídio culposo.
(Testemunha de Acusação [conto])
Agora que a guerra e seus problemas são coisas do
passado, creio que posso seguramente me arriscar a revelar ao mundo o papel que
meu amigo Poirot desempenhou num momento de crise nacional. O segredo tem sido
bem guardado. Nem um simples rumor chegou aos ouvidos da imprensa. Mas agora
que a necessidade de sigilo já desapareceu, sinto que é um ato de justiça fazer
com que a Inglaterra saiba da dívida que tem para com meu exótico amigo, cujo
cérebro maravilhoso tão habilmente evitou uma catástrofe de grandes proporções.
(O Primeiro-Ministro Sequestrado)
A Srta. Arundell morreu a 1° de maio e, embora sua
doença fosse curta, sua morte não causou maiores surpresas na vila de Market
Basing, onde vivera desde os 16 anos.
(Poirot Perde uma Cliente)
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Cena do filme de 1989 baseado em “E não sobrou nenhum” |
4. Descrições sim, por que não? – É claro que você pode usar como frase/ parágrafo
de abertura uma descrição! Sabendo fazê-la, as descrições são muito bem-vindas
e importantes para se construir os personagens, o ambiance e para se
estabelecer a cena.
Era a vez de Miss Somers fazer o chá. Datilógrafa
nova – e inepta – na firma, Miss Somers já estava com certa idade e tinha uma
cara meio tímida de ovelha. A água que despejou da chaleira ainda não havia
fervido; a pobre Miss Somers nunca sabia exatamente o momento em que a água
começa a ferver – uma das múltiplas preocupações que lhe afligiam a vida.
(Cem Gramas de Centeio)
Na plataforma, Mrs. McGillicuddy seguia ofegante o
carregador que levava a sua mala. O homem era alto e ágil e Mrs. McGillicuddy
era baixa e gorducha, além de estar sobrecarregada com uma montanha de
embrulhos, resultado de um dia febril de compras de Natal. A competição era, portanto,
desigual e, quando o carregador chegou ao final da plataforma, Mrs.
McGillicuddy ainda vinha longe.
(Testemunha Ocular do Crime)
Politt segurou a argola da porta e bateu levemente.
Após alguns segundos, tornou a bater. O embrulho que trazia no braço esquerdo
ameaçou cair, e ela voltou a arrumá-lo. Este continha o vestido verde da Sra.
Spenlow, que ela havia acabado de aprontar. Na mão esquerda, Politt carregava
uma sacola de seda preta com uma fita métrica, uma almofada de alfinetes e uma
tesoura.
(O Crime da Fita Métrica)
O pequeno Sr. Satterthwaite olhou, pensativo, para
seu anfitrião. A amizade entre os dois era bastante peculiar. O coronel era um
nobre simplório que vivia no campo. Sua maior paixão na vida era o esporte. As
poucas semanas em que se via obrigado a passar em Londres, ficara de má
vontade. O Sr. Satterthwaite, por outro lado, era um homem da cidade.
Autoridade em culinária francesa, moda feminina, sabia tudo sobre todos os
últimos escândalos. Sua grande paixão era observar a natureza humana — e era um
perito no seu campo: observador da vida.
(Os Detetives do Amor)
O Cônego Partiff ofegou um pouco. Correr para pegar
o trem não era um bom negócio
para um homem da sua idade. Em primeiro lugar, sua
silhueta já não era a mesma e, com a perda do corpo esbelto, surgiu a tendência
a ficar sem fôlego. O cônego referia-se dignamente a essa tendência com um
"Meu coração, você sabe!"
(O Quarto Homem)
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Zoe Wanamaker no papel de Mirs. Oliver em seriado da BBC |
5. Revelações do personagem narrador – Quando, logo em uma frase de abertura, o personagem
narrador confessa ou compartilha um sentimento, pensamento, decisão ou
dificuldade qualquer, imediatamente ele cria um vínculo com o leitor, fomentando
uma ilusão de que são velhos camaradas.
É difícil decidir por onde começar esta história,
mas resolvi escolher um almoço em minha casa, numa certa quarta-feira.
(Assassinato na Casa do Pastor)
Quando finalmente me tiraram o gesso, e os médicos
me viraram do avesso à vontade, e as enfermeiras me persuadiram a usar os
membros com prudência, e eu me senti nauseado por elas falarem comigo praticamente
como se fala com um bebê, Marcus Kent disse-me que eu devia ir viver para o
campo.
(A Mão Misteriosa)
Larguei o talão de cheques com um suspiro e
comentei:
– É curioso, mas parece que nunca consigo diminuir
meu saque a descoberto.
– E isso não o perturba? – indagou Poirot. – Se
acontecesse comigo, eu não conseguiria dormir a noite inteira.
(A Mina Perdida)
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David Williams no papel de Tommy e Jessica Raine no papel de Tuppence em minissérie da BBC |
6. Revelações sobre um outro personagem – Esse compartilhamento de sentimentos, pensamentos,
decisões ou dificuldade qualquer também pode ocorrer por meio de um narrador
observador, que nos conta algum sentimento ou pensamento de um personagem.
Jack Hartington analisou tristemente seu frustrado
drive. De pé, ao lado da bola, virou-se para olhar o tee, medindo a distância.
Seu rosto revelava o desprezo e a revolta que sentia. Com um suspiro, apanhou o
taco, executou dois swings defeituosos destruindo, em cada vez, um
dente-de-leão e um tufo de grama. Depois concentrou-se firmemente na bola. É
duro ter-se vinte e quatro anos e a ambição única de reduzir o handicap no
golfe, mas, em vez disso, ser forçado a desperdiçar tempo e dar atenção ao
problema de ganhar a vida.
(O Mistério do Vaso Azul)
Já era crepúsculo quando ele chegou ao cais.
Poderia ter chegado muito antes, mas a verdade é que havia protelado aquilo o
quanto lhe fora possível.
(Punição para a Inocência)
– Bem – indagou o doutor Haydock a sua paciente –, como
é que vamos hoje?
Miss Marple, recostada em seus travesseiros,
deu-lhe um sorriso sem emoção.
– Sinceramente, acho que estou melhor, mas sinto-me
tão deprimida! Acho que melhor seria se tivesse morrido. Sou uma mulher velha.
Ninguém me quer ou se preocupa comigo.
(O Episódio da Caseira)
Gwenda Reed, ligeiramente trêmula, estava em pé à
beira do cais. As docas, os depósitos da alfândega, tudo o que podia ver da
Inglaterra oscilava lentamente para cima e para baixo. Foi nesse momento que
tomou a decisão – uma decisão que acarretaria acontecimentos muito importantes.
Não iria mais de trem para Londres, como planejara.
(Um Crime Adormecido)
Há algum tempo que Poirot vinha se tornando cada
vez mais insatisfeito e inquieto. Não tivéramos recentemente nenhum caso
interessante, nada em que meu pequeno amigo pudesse exercitar sua inteligência
e seus extraordinários poderes de dedução. Naquela manhã, ele largou o jornal
com um impaciente "Tchah!", uma de suas exclamações prediletas, que
soava exatamente como um gato espirrando.
(A dama de Véu)
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Cena do filme de Kenneth Branagh baseado em “Morte no Nilo” |
7. Diálogos – Se
seu estilo textual for essencialmente dialógico, usar uma fala como frase de
abertura ajuda a estabelecer não apenas seu estilo narrativo, como também a voz
do personagem. Mas começar com diálogos longos pode tender para um script ou
texto teatral.
– Poirot, estou achando que uma mudança de ares lhe
faria bem.
– Acha mesmo, mon ami?
– Tenho certeza.
– Hã...? – murmurou meu amigo, sorrindo. Quer dizer
que já está tudo acertado, não é mesmo?
– E você irá?
– Para onde pretende me levar?
– Para Brighton.
(O Roubo da Joias no Grand Metopolitan)
Mrs. Van Rydock recuou um pouco diante do espelho e
suspirou.
– Bem, acho que está bom – murmurou. – Que lhe
parece, Jane?
Miss Marple
contemplou a criação de Lanvanelli com ar de aprovação.
– Parece-me um vestido muito bonito – respondeu.
– O vestido, sim – disse Mrs. Van Rydock,
suspirando de novo. E pediu: – pode
tirar, Stephanie.
(Um Passe de Mágica)
– Sinto muitissimamente – disse M. Hercule Poirot.
Foi interrompido. Não rudemente interrompido. A
interrupção foi delicada, jeitosa, mais persuasiva do que contraditória.
– Por favor, não recuse precipitadamente, M.
Poirot. Trata-se de um grave problema de Estado. Sua cooperação será apreciada
nos mais altos escalões.
– Muita bondade sua.
(As Aventuras do Pudim de Natal)
– Livros! – explodiu Tuppence, mal-humorada.
– O que houve? — perguntou Tommy. Do outro lado da
sala Tuppence o encarou.
– São esses livros.
– Entendo o seu problema – respondeu Thomas
Beresford.
Em frente a Tuppence havia três grandes caixotes.
Ainda estavam cheios de livros, embora ela já tivesse guardado muitos deles.
– É inacreditável – disse Tuppence.
– O que, o espaço que eles ocupam?
– Isso.
(Portal do Destino)
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Cena de de montagem de “Assassinato de Roger Ackroyd em peça teatral no Alley Theatre |
8. Cinema em palavras – Descrever uma ação e/ou uma
cena – A descrição de uma cena concede agilidade ao
texto e lhe emprega um formato cinematográfico que atrai muitos leitores.
Bobby Jones colocou a bola de golfe no ponto de
partida, deu ao taco um pequeno balanço preliminar, ergueu-o lentamente, e
rápido como um raio desfechou o golpe.
(Por Que Não Pediram a Evans?)
A Sra. Oliver olhou-se no espelho, dando antes uma
rápida espiada no relógio, sobre a prateleira que, segundo seus cálculos, devia
estar pelo menos uns vinte minutos atrasado.
(Os Elefantes Não Esquecem)
No canto de um vagão de fumar de primeira classe, o
Juiz Wargrave, recentemente aposentado, percorria com um olhar interessado as
notícias políticas do Times.
(E Não Sobrou Nenhum)
Anthony Eastwood olhou para o teto e em seguida
para o chão. Dali o seu olhar subiu lentamente pela parede da direita, até que
com um súbito esforço de vontade concentrou novamente sua atenção na máquina de
escrever.
(A Aventura de Anthony Eastwood)
O velho Lanscombe ia cambaleante, de sala em sala,
suspendendo as venezianas. De vez em quando, com os olhos cansados, espiava
pela janela.
(Depois do Funeral)
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Cena do episódio “A Noite das Bruxas” em seriado da BBC |
9. Informação cotidiana – Trata-se da descrição de uma cena também, porém,
contendo uma informação a princípio absolutamente inocente e rotineira, mas que
pode ser o presságio para grandes emoções por vir.
Todas as manhãs entre 7:30h e 8:30h, exceto aos
domingos, Johnnie Butt percorria de bicicleta o vilarejo de Chipping Cleghorn,
assobiando furiosamente.
(Convite para um Homicídio)
Mr. e Mrs. Beresford estavam à mesa do café da manhã.
Formavam um par comum, semelhante a centenas de outros casais maduros que
faziam o mesmo na Inglaterra inteira nesse dia idêntico aos demais. Talvez
chovesse, mas por enquanto o tempo se mostrava incerto.
(Um Pressentimento Funesto)
– Até logo, querida.
– Até logo, meu bem.
Apoiada ao portãozinho rústico, Alix Martin
acompanhou com o olhar o vulto do marido que se afastava na estrada em direção
ao povoado. Logo perdeu-o de vista numa curva, mas ali permaneceu, na mesma
posição, ajeitando distraidamente uma
madeixa de seus belos cabelos castanhos que o vento
desarranjara, o olhar distante e sonhador.
(O Chalé do Rouxinol)
A Sra. Thomas Beresford remexeu-se no sofá e olhou
sombriamente pela janela do apartamento. O panorama não era dos mais variados,
consistindo somente de um pequeno bloco de apartamentos do outro lado da rua.
Ela deu um suspiro e bocejou.
(Sócios no Crime)
Miss Jane Marple estava sentada à janela de onde se
avistava um jardim que em outros tempos constituíra para ela fonte de orgulho.
Isto não acontecia mais. No momento, proibida que estava de praticar jardinagem
por algum tempo, olhava pela janela e suspirava. Nada de abaixar-se, cavar ou
plantar – no máximo podar alguns galhos, coisa leve.
(A Maldição do Espelho)
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Hugh Fraser no papel de Cap. Hastings em seriado da BBC |
10. Cotidiano não tão trivial – Novamente, trata-se de se utilizar na frase ou
parágrafo de abertura a descrição de uma cena aparentemente cotidiana, porém com
um detalhe qualquer um tanto diferente, alguma coisa que saiu da rotina.
O humor do Dr. Morley não estava dos melhores na
hora do café. Reclamou o presunto; perguntou por que o café estava com gosto de
água suja; e comentou sobre a má qualidade do pão.
(Uma Dose Mortal)
O Capitão Crosbie saiu do banco com o ar de quem
tinha cobrado um cheque e descoberto que havia um pouquinho mais em sua conta
do que pensara.
(Aventura em Bagdá)
– No final das contas, é bem possível que eu não
morra desta vez – declarou Poirot.
Recebi esse comentário, impregnado de um otimismo
benéfico, de um convalescente de uma forte gripe. Eu fora o primeiro a pegar a
gripe, e Poirot a contraíra logo depois.
(O Mistério de Hunter’s Lodge)
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Pauline Moran no papel de Miss Lemon em seriado da BBC |
11. Afirmação generalizada sobre o mundo, pessoas, natureza etc. – Começar
com uma afirmação de conhecimento popular, a qual geralmente vai além das
fronteiras, permite, a partir dela, fechar depois o foco e se voltar para um
detalhe específico do texto.
A memória do público é fraca. O vivo interesse e rebuliço causados pelo
assassinato de George Alfred St. Vicent Marsch, quarto Barão Edgware, é uma
coisa que pertence ao passado e ficou esquecida. Viu-se substituída por novas
sensações.
(Treze à Mesa)
Quem não sentiu um súbito baque no coração ao
reviver uma antiga experiência, ou ao sentir uma velha emoção? “Já passei por isto, antes...” Por que razão estas
palavras nos emocionam tão profundamente? Foi a pergunta que fiz a mim próprio,
quando me sentei no comboio, olhando para a paisagem plana de Essex.
(Cai o Pano)
– Mas que emocionante – disse a linda Sra.
Eversleigh, arregalando os adoráveis, mas ligeiramente inexpressivos olhos
azuis. – Sempre se diz que as mulheres têm um sexto sentido; acha que
isso é verdade, Sir Alington?
(O Sinal Vermelho)
Há em todos os clubes um sócio maçador. O Coronation Club não constituía excepção, e o
facto de, naquele momento, estar a decorrer um ataque aéreo não alterava de
forma alguma o procedimento habitual desse sujeito.
(Seguindo a Correnteza)
Conheço gente que adora uma travessia de canal. Homens que, sentados tranquilamente em suas
espreguiçadeiras, apreciam a chegada e esperam que o navio atraque para juntar
suas coisas sem rebuliço, e então desembarcar. Eu, pessoalmente, nunca consigo
isso.
(Os Quatro Grandes)
– E, acima de tudo, evite a preocupação e a emoção –
disse o Dr. Meyvell naquele
modo confortador simulado pelos médicos.
A Sra. Harter, como quase sempre acontece com as
pessoas que ouvem estas palavras reconfortantes, mas sem sentido, parecia
mais tomada por dúvidas do que aliviada.
(O Rádio)
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Julie McKenzie no papel de Miss Marple em seriado da BBC |
12. Quando? – Especificar um dado temporal – muitas vezes, não é necessário inventar muita
coisa. Simplesmente forneça uma informação de algo que aconteceu, situando-a no
tempo. Mas, é claro, este dado temporal precisa ter uma correlação com os
acontecimentos futuros na sua história.
Foi em junho de 1935 que retornei à
Inglaterra de volta da minha fazenda na América do Sul para uma estada de uns
seis meses.
(Os Crimes ABC)
Era o dia de abertura do período escolar de
verão no Colégio Meadowbank. O sol do final da tarde espalhava seu brilho
sobre o pátio em frente à casa.
(Um Gato entre os Pombos)
Às seis horas e treze minutos de uma manhã de
sexta-feira, os grandes olhos
azuis de Lucy Angkatell abriram-se para mais um dia e, como sempre, logo estava
bem acordada e imediatamente começou a tratar dos problemas evocados por sua
mente incrivelmente ativa.
(A Mansão Hollow)
Eram cinco horas de uma manhã de inverno na Síria.
(Assassinato no Expresso do Oriente)
O navio que fazia a ligação entre Barcelona e
Maiorca deixou o Sr. Parker Pyne em Palma nas primeiras horas da manhã,
e imediatamente ele experimentou uma desilusão.
(Problema na Baía de Polensa)
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Cena do filme “Punição para a Inocência” de 2014 |
13. Onde? – Especificar um dado espacial – Outra forma é fornecer uma informação de
localização. Igualmente, é claro, este dado temporal precisa ter uma correlação
com os acontecimentos futuros na sua história.
Sir Edward Palliser, K. C, residia no número 9
de Queen’s Anne Close, um beco sem saída que no coração de Westminster que mantém
uma atmosfera tranquila e antiquada, contrastando com o bulício do século XX. O
local convinha admiravelmente a Sir Edward Palliser.
(Uma Canção de Meio Xelim)
O Sr. Isaac Pointz tirou o charuto da boca e
comentou com aprovação:
— Lugarzinho bonito, esse. – Tendo assim concedido
o seu beneplácito ao porto de Dartmouth, recolocou o charuto na boca e
olhou em torno com o ar de um homem satisfeito consigo mesmo, seu aspecto, o
ambiente e a vida em geral.
(O Mistério da Regata)
Raoul Daubreuil cruzou o Sena cantarolando.
Era um francês jovem, de boa aparência, dos seus trinta e dois anos, rosto
corado e bigode preto. Engenheiro por profissão. No devido tempo chegou a Cardonet
e entrou no número 17. O porteiro olhou-o de sua toca, resmungando um
"bom-dia" ao qual ele respondeu alegremente. Depois subiu as escadas,
dirigindo-se ao apartamento do terceiro andar.
(A Última Sessão)
Mr. Satterthwaite, sentado no terraço do Topo do
Mastro, observava seu anfitrião, Sir Charles Cartwright, subir pelo caminho que vinha do mar.
(Tragédia em Três Atos)
Nenhuma cidadezinha litorânea da Inglaterra
é tão atraente como Saint Loo.
(A Casa do Penhasco)
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Elizabeth Taylor em filme baseado em “A Maldição do
Espelho” de 1980 |
14. Meteorologia – Fornecer informação sobre condições do tempo logo
na frase ou parágrafo de abertura auxilia a não só estabelecer a cronologia,
considerando que os meses do ano são marcados por condições climáticas
específicas na Europa, como também estabelece a atmosfera psicológica da
narrativa.
Estava muito frio. O céu, cinzento e carregado de neve ainda por cair. Um homem metido num sobretudo escuro, o cachecol em volta do rosto e o chapéu puxado sobre os olhos, desceu Culver Street e subiu as escadas do número 74. Apertou a campainha e ouviu-a tocar no subsolo.
(Os Três Ratos
Cegos)
O sol de setembro batia quente sobre o aeroporto de Le Bourget enquanto os
passageiros se dirigiam para bordo do avião Prometeu, com partida marcada para
Croydon dentro de poucos minutos.
(A Morte nas Nuvens)
Estava uma noite horrível. Lá fora, o vento uivava furiosamente e a chuva
batia em rajadas violentas contra as janelas.
(A Caixa de Bombons)
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Cena da adaptação de “Mistério no Caribe” em seriado da BBC |
15. Bate-papo amigável – Uma outra forma bem estimulante de se cativar o
leitor é iniciar como se estivesse batendo um papo amigável e descontraído com
ele, como quem começa a contar uma história interessante.
Julgo haver uma anedota famosa segundo a qual um
jovem escritor, decidido a iniciar a sua história de uma maneira
suficientemente enérgica e original para atrair e prender a atenção do mais
blasé dos editores, escreveu a seguinte frase: “Diabo exclamou a duquesa.”
(Assassinato no Campo de Golfe)
Meus queridos Raymond e Joan, acho que nunca lhes
contei um caso muito curioso que me aconteceu há alguns anos.
(Miss Marple Conta uma História)
A Sra. Bantry estava sonhando. Suas ervilhas de
cheiro tinham sido classificadas no primeiro lugar na exposição de flores. O
pároco, de batina e sobrepeliz, distribuía os prêmios na igreja. Sua esposa
perambulava por perto, vestida num roupão de banho, mas como só acontece nos
sonhos, esse fato não provocou a desaprovação
do pároco como certamente o teria feito na vida
real...
(Um Corpo na Biblioteca)