Algumas
das técnicas investigativas de Miss Marple
Joan Hickson como Miss Marple |
BISBILHOTAR
= INVESTIGAR?
Bisbilhotar é uma palavra feia. Mas o que fazem os grandes
detetives, os renomados investigadores se não, quando diante de um caso,
bisbilhotar por ai? Ah, não! – retrucariam alguns. O que eles fazem é investigar. Hum, entendo. Mas, qual é
mesmo a diferença?
A aparentemente inocente, frágil e doce velhinha criada por
Agatha Christie, Miss Jane Marple, não é uma policial ou detetive. No entanto,
investigou e solucionou diversos crimes misteriosos, os quais nem mesmo a
policia especializada conseguiu desvendar. E como é que ela consegue descobrir
os fatos, obter as pistas e os dados necessários para resolver o mistério?
A própria Miss Marple nos dá uma pista em Convite
para um homicídio:
Miss
Marple esboçou um sorriso.
— O
problema — disse ela — é que todas as mulheres de idade são bisbilhoteiras.
Teria sido muito esquisito, e mais fácil de provocar desconfianças, se eu não
metesse um pouco o nariz onde não sou chamada.
Perguntas
sobre amigos comuns em outros países, e se a pessoa se lembra de fulano e de
beltrano, e quem foi mesmo que se casou com a filha de lady qualquer coisa? E
tudo isso ajuda, não?
—
Ajuda? — perguntou o inspetor, sentindo-se não muito inteligente.
—Sim,
ajuda a descobrir se as pessoas são o que dizem que são —explicou Miss Marple.
Qual é
a resposta então? Bisbilhotando!
É assim
que a senhora idosa faz suas investigações. Portanto, quero elevar aqui a
palavra bisbilhotar a um nível mais alto e digno: o de sinônimo de investigar,
quando se trata de uma pessoa
amadora (não policial ou não detetive) com um intuito para o bem comum, no
caso, solucionar um crime.
E quais
seriam as técnicas que usa para bisbilhotar – quero dizer, para investigar?
Selecionei algumas delas neste artigo.
A TÉCNICA ESPECIALIZADA DE MISS MARPLE
Os
sobrolhos de Conway Jefferson tornaram-se ainda mais pesados. Murmurou
incredulamente:
— Intuição feminina — disse com
ceticismo.
— Não, ela diz que não; técnica
especializada é a sua pretensão.
(Um Corpo na Biblioteca)
(Um Corpo na Biblioteca)
1- INSTRUMENTO PRINCIPAL: BINÓCULOS
Angela Lansbury como Miss Marple |
Praticamente todos os detetives famosos da literatura
utilizam algum instrumento para auxiliá-lo durante suas investigações. O que
dizer de Sherlock Holmes sem sua
lupa? Ou de Hercule Poirot sem suas
magníficas células cinzentas?
Miss Marple não poderia ficar de fora desse roll. E sem
dúvidas seu instrumento marcante de auxilio investigativo são os seus famosos
binóculos. Sob o pretexto de observar pássaros, a Miss Marple das primeiras
estórias criadas por Agatha Christie estava sempre observando a vizinhança com
um par de poderosos binóculos. E quantas informações úteis obteve através
deles!
Miss
Marple sempre vê tudo. A jardinagem é um
bom disfarce, e o hábito de observar passarinhos com binóculos de longo alcance
sempre pode ser útil.
(Assassinato na Casa do Pastor)
(Assassinato na Casa do Pastor)
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De
seu jardim, vantajosamente localizado, tão bem situado que permitia ver tudo
que se passava em St. Mary Mead, muito pouco havia escapado ao seu olho
observador!
E com a ajuda do binóculo de pássaros (interessar-se por passarinhos era tão útil!) tinha conseguido ver — aqui ela deixou que seus pensamentos voltassem ao passado — Ann Protheroe com um vestido de verão indo para o jardim da paróquia.
(A Maldição do Espelho)
E com a ajuda do binóculo de pássaros (interessar-se por passarinhos era tão útil!) tinha conseguido ver — aqui ela deixou que seus pensamentos voltassem ao passado — Ann Protheroe com um vestido de verão indo para o jardim da paróquia.
(A Maldição do Espelho)
2-
BISBILHOTICE IN LOCO:
Julia McKenzie como Miss Marple |
Nem tudo dá para se avistar com binóculos. E a cena do crime
constitui um elemento essencial para qualquer investigação – ou bisbilhotice,
no caso de Miss Marple. Mas, não sendo ela uma autoridade policial, como poderá
a velhinha chegar até lá? Ah, Miss Marple sempre arruma um jeito para tanto!
Seja se metendo diretamente na cena do crime, seja se
metendo na casa dos suspeitos ou dos envolvidos, Miss Marple não apenas
consegue bisbilhotar como os policiais, como ainda leva uma vantagem sobre
eles. Ocorre que os policiais precisam se identificar. E a velhinha pode andar
por lá, falar com pessoas, fazer perguntas, xeretar lugares sem levantar muitas
suspeitas!
Abruptamente,
ele disse:
—
A senhora não deveria estar aqui.
As
agulhas pararam de girar por um instante. Os olhos plácidos e límpidos de Miss
Marple fixaram-se nele, pensativos.
—
Eu sei o que o senhor quer dizer — disse ela. — O senhor é um rapaz muito
sensato. Mas não há problema algum. O pai de Bunch (foi o pastor de nossa
paróquia, um homem muito erudito) e a sua mãe (uma mulher realmente
impressionante de muita força espiritual) são velhos amigos meus. E a coisa
mais natural do mundo que eu, estando em Medenham, venha passar uns dias com
ela.
(Convite para um Homicídio)
(Convite para um Homicídio)
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—
Pode deixar que eu descubro — disse, gentilmente, Miss Marple.
—
Pelo amor de Deus, Miss Marple, não vá...
—
Vai ser muito simples, inspetor, não precisa se preocupar. E não vai chamar a
atenção de ninguém, o senhor sabe, já que não será oficial. Se houver alguma
coisa de errado com eles, não seria bom alertá-los, não é mesmo?
(Convite para um Homicídio)
(Convite para um Homicídio)
3- A
ARTE DA REPRESENTAÇÃO PARA DISFARCES:
Geraldine McEwan como Miss Marple |
A) SE
FAZER DE VELHOTA MEIO TOLA E DESASTRADA:
Uma senhora idosa de ar distraído, com o pensamento distante
em memórias remotas, esquecida e andando com certa dificuldade devido à idade
avançada, de mãos trêmulas, totalmente desastrada: que suspeitas poderia um ser
tão frágil e inocente levantar?
Miss Marple se utiliza da representação de uma senhora idosa
típica, com suas dificuldades em função da idade, para bisbilhotar mais à
vontade.
Deixando
deliberadamente as luvas sobre a mesa, levantou-se e foi até à
caixa, tomando o
caminho que passava
perto da mesa
de Lady Sedgwick. Depois
de pagar a
conta. "descobriu" a
falta das luvas
e voltou para apanhá-las,
deixando, por infelicidade,
cair a bolsa
no caminho de retorno. A bolsa abriu-se e espalhou pelo chão um monte
de bugigangas.
Uma garçonete apressou-se a ajudá-la a apanhar os objetos caídos, e Miss Marple viu-se forçada a simular grandes tremuras, derrubando moedas e chaves pela segunda vez.
Uma garçonete apressou-se a ajudá-la a apanhar os objetos caídos, e Miss Marple viu-se forçada a simular grandes tremuras, derrubando moedas e chaves pela segunda vez.
Não
conseguiu muito com esses subterfúgios, mas não foram eles inteiramente
inúteis; e o interessante é que nenhum dos dois alvos da sua curiosidade
dedicou sequer um
olhar à desastrada
velhota que estava sempre a
derrubar coisas.
(O Caso do Hotel Bertram)
(O Caso do Hotel Bertram)
B)
FINGIR-SE DE FRÁGIL E MEDROSA
Uma velhota gentil, doce, e um pouco medrosa. Que suspeitas
poderia um ser tão frágil e inocente levantar?
A
velhinha revelou-se encantadora, com seus modos gentis e sua amena
bisbilhotice. Logo de saída, mostrou que era uma dessas velhas senhoras sempre
preocupadas com ladrões. (Convite para um Homicídio).
C) AGIR
COMO UMA TÍPICA VELHOTA
Uma velhinha de cabelos brancos e bochechas rosadas,
embrulhada em manto de lã bem fofoinho, ou em um casaquinho totalmente fora de
moda, indo tomar um chá para se aquecer: não é uma coisinha adorável? E
absolutamente normal, nada suspeito? Miss Marple aproveita toda e qualquer
oportunidade para agir como uma simpática e inocente velhinha, acima de
qualquer suspeita, sempre visando a obter alguma informação importante, isto é,
bisbilhotar!
Miss
Marple avistou, com o canto do olho, a srta. Dora Bunner entrando no Bluebird.
Imediatamente, decidiu que nada seria melhor para cortar o vento frio da manhã
do que uma boa xícara de café.
(Convite para um Homicídio).
(Convite para um Homicídio).
4- A
ARTE DA LINGUÍSTICA PARA BISBILHOTICE:
Geraldine McEwan como Miss Marple |
A)
PUXAR UM ASSUNTO INOCENTE
Partindo da premissa de que toda velhota tende a ser
demasiado curiosa a respeito da vida dos outros, Miss Marple se aproveita para levantar
assuntos e fazer perguntas sobre as coisas mais pessoais ou improváveis, do
modo mais inofensivo possível, sem com isso despertar a desconfiança das
pessoas.
—
A senhora fez aquilo de propósito? — perguntou Bunch, enquanto ela e Miss
Marple voltavam para casa. — Puxar o assunto das fotografias?
—
Ora, meu bem, não deixa de ser interessante saber que a srta. Blacklock não
conhecia qualquer dos seus dois jovens parentes de vista... É... acho que o
inspetor Craddock vai gostar de saber disso.
(Convite para um Homicídio).
(Convite para um Homicídio).
B) ANUIÇÃO
E EMPATIA
Sempre muito doce e simpática, Miss Marple procura anuir empaticamente
para uma pessoa na qual percebe o desejo de falar. Concordando com a pessoa e
deixando-a bem à vontade, ela solta a
língua, e acaba revelando fatos valiosos para as investigações de Miss
Marple.
Miss
Marple demorou a encontrar um comentário adequado. — Deve ser mesmo um problema
e tanto para a senhora — disse, esforçando-se para ser simpática.
(Convite para um Homicídio)
(Convite para um Homicídio)
*
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Ah,
os bons tempos, há tantos anos... Ela era tão bonita, e gostava tanto da
vida... uma coisa tão triste... Sem ter a menor ideia do que seria tão triste
assim, Miss Marple também suspirou e sacudiu a cabeça.
—
A vida é muito dura — murmurou.
(Convite para um Homicídio)
(Convite para um Homicídio)
5- BISBILHOTICE
JUNTO ÀS AUTORIDADES
Geraldine McEwan como Miss Marple |
Nem sempre, ou até quase sempre, as autoridades policiais
não se mostram muito simpáticos às bisbilhotices de Miss Marple. Às vezes,
chegam mesmo a se aborrecer com a constante presença da velhinha no local onde
o crime ocorreu, bisbilhotando aqui e ali, seja porque se preocupam com a
senhora idosa, seja porque se incomodam mesmo com a presença daquela que eles
julgam não passar de uma velhota enxerida.
Isto no caso da autoridade policial em questão não conhecer
a verdadeira Miss Marple e suas façanhas. No entanto, há autoidades que tiveram
a oportunidade de lidar com Miss Marple e, portanto, sabem muito bem do que a
velhinha é capaz, respeitando-a imensamente! Em qualquer um dos casos, a
esperta velhinha sempre arranja um jeito de conseguir das autoridades
exatamente aquilo que deseja saber.
—
Mas, como posso eu saber o que aconteceu? Li o que saiu nos jornais... mas era
tão pouco... Posso fazer conjeturas, mas não tenho informações completas.
—
George — disse sir Henry —, seria muito irregular se permitíssemos a Miss
Marple ler o relatório das entrevistas feitas por Craddock com o pessoal de
Chipping Cleghorn?
—
Talvez seja irregular — disse Rydesdale —, mas não foi sendo muito ortodoxo que
cheguei aonde estou. Ela pode ler tudo. Estou curioso para ouvir a sua opinião.
Miss Marple estava encabulada.
(Convite para um Homicídio)
(Convite para um Homicídio)
*
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Através desses estratagemas nada convencionais, Miss Marple
consegue realizar suas investigações e obter os dados necessários para
desvendar os mistérios nos quais se envolve. Muitos deles são pura arte de
teatralização, como sabemos. Porem, no fundo, Miss Marple possui mesmo um
pouquinho de tudo isso, algumas coisas mais, algumas outras, menos, pois, no
final das contas, Miss Marple é de fato uma velhota solteirona!
Excelente post, como todos os outros! Eu tinha um certo preconceito no começo, mas não tem como não amar!
ResponderExcluirObrigada, Raquel! Seus comentários são sempre bem vindos. Abraços,
ExcluirCristina Siqueira.
Amei:)
ResponderExcluirQue bom, Rosangela! Em também amo a Miss Marple! Seja sempre bem-vinda à minha blogazine.
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