sexta-feira, 3 de abril de 2015

Poirot: Bigodes & Bengala - COMBUSTÍVEL PARA AS CÉLULAS CINZENTAS


Dava umas palmadinhas na cabeça ovoide, com absurda complacência, e observava, todo satisfeito: “O verdadeiro trabalho é feito aqui dentro. As celulazinhas cinzentas... lembre-se sempre das celulazinhas cinzentas, mon ami.” 
(Poirot em Assassinato no Campo de Golfe)


David Suchet como Hercule Poirot


As famosas células cinzentas de Hercule Poirot não funcionam por si sós: elas necessitam de alimento para operarem corretamente. Isto é, precisam de dados, de informações, de fatos com os quais trabalharem.

Mas como Poirot obtém o combustível para suas células cinzentas? 

O esperto detetive usa de alguns recursos muito próprios para conseguir as informações de que precisa. Algumas das técnicas particulares de Poirot a fim de buscar os dados necessários para que suas células cinzentas possam operar e solucionar os mais intricados mistérios são:

1- Para despistar as pessoas:

A) Fingir que ele próprio fala mal inglês

B) Fingir ser presunçoso

2- Para obter informações das pessoas:

A) Contar mentirinhas

B) Envolver as pessoas para que falem naturalmente


Vamos a estas técnicas:


TÉCNICAS DE POIROT PARA ALIMENTAR 

SUAS CÉLULAS CINZENTAS


1- Para despistar as pessoas:


A) Fingir que ele próprio fala mal inglês


Meu amigo, falar o Inglês de modo estranho e sotaque é uma vantagem enorme. Isso leva as pessoas a lhe desprezarem. Elas dirão: um estrangeiro - ele não conseguem sequer falar Inglês corretamente. (Poirot em Tragédia em Três Atos)


Albert Finney como Hercule Poirot


Até agora você pensava que Hercule Poirot fala com todos aqueles maneirismos, com aquele sotaque e com todas aquelas palavras e frases em francês simplesmente porque ele é assim mesmo? Ledo engano! Sim, Poirot é belga, sim, ele tem sotaque, sim, sua língua mãe é o Francês. Mas saibam que ele domina o idioma inglês muito mais do que deixa transparecer.

Na verdade, ele se aproveita de sua condição de estrangeiro  - e, consequentemente, do preconceito que os ingleses teriam contra os estrangeiros – como uma técnica para dar a impressão de ser apenas um tolo, alguém que não se pode levar muito a sério. Com isso, as pessoas relaxam, não lhe dão muita importância, e acabam se descuidando e revelando preciosas informações, as quais servirão de combustível para suas células cinzentas.

Tal conclusão precipitada das pessoas em relação ao seu aspecto estrangeiro fica bem clara nas palavras do Dr. Giles Reilly em Morte na Mesopotâmia, quando descreve sua estranheza a primeira vez que avista Poirot:

Creio que jamais esquecerei minha primeira visão de Hercule Poirot. (...) Para começar, foi um choque, e acho que todos os outros devem ter sentido a mesma coisa! (...) Sabia, naturalmente, que era estrangeiro mas não esperava que fosse tanto assim, se é que me faço entender.

Ao vê-lo, dava vontade de rir! Dir-se-ia que tivesse saído de um palco ou de um filme. Para começar, não tinha mais de metro e meio de altura, em minha opinião — um homenzinho gordo, esquisito, bastante velho, com um bigode enorme e a cabeça feito um ovo. O protótipo do cabeleireiro das peças cômicas!

E conclui com desdém:

E esse era o homem que ia descobrir o assassino da senhora Leidner!

E, mais adiante, ainda demonstra desprezo pelo inglês com erros de Poirot:

— Não está tudo evidente e à tona dágua, não? — perguntou o homenzinho na ponta da mesa. Ora, nem sequer sabia falar direito!

Poirot até chaga a dar uma exageradinha em seus modos estrangeiros e carrega ainda mais seu sotaque quando precisa que os outros o desprezem mais e fiquem ainda mais descuidados. Ah, mas tolas, muito tolas são as pessoas que minimizam a aguçada mente do detetive!


B) Fingir ser presunçoso

Também eu me ponho a me gabar! Um inglês diz muitas vezes, "Um sujeito que pensa tanto de si mesmo não pode valer muito. ... E assim, veja você, eu faço com que as pessoas baixem a guarda. (Poirot em Tragédia em Três Atos)



David Suchet como Hercule Poirot


Quem diria! Um dos atributos pelos quais o famoso detetive é conhecido – sua completa falta de modéstia – não é de todo genuíno. Quero dizer que Poirot possui inteira consciência de seus modos presunçosos, e, mais do que isso: ele faz uso dessa presunção toda como uma técnica para despistar os outros, ou mais propriamente, os ingleses tolos. Assim, as pessoas não lhe dão muita importância, baixam a guarda e, de modo semelhante ao que ocorre com a técnica de fingir que fala mal o inglês, elas acabam por fornecer pistas relevantes para alimentarem as células cinzentas.

É o que ocorre em A Aventura do Pudim de Natal, quando Poirot descreve a si mesmo em alta conta com a maior naturalidade, inclusive concluindo que ninguém duvida ser ele um detetive famoso:

E, com um pequenino arranjo, eu também sou convidado para o Natal. A tal jovem supostamente acaba de sair do hospital. Ao chegar aqui, está bem melhor. Mas depois chega a notícia de que eu viria também, um detetive — um detetive famoso. Na mesma hora ela tem uma recaída. Esconde o rubi no primeiro lugar que lhe vem à mente

Mas, aqui entre nós, não é bem que Poirot não seja presunçoso e apenas finja que é. Sabemos muito bem que nosso querido detetive tem a si mesmo em altíssima conta, e, sim, se considera o maior detetive de mundo. Porem, sua inteligência é tanta que ele também tem total consciência disso – e simplesmente utiliza sua própria característica em seu favor. Genial!


2- Para obter informações das pessoas:


A) Contar mentirinhas


A longo prazo, através de uma mentira ou através da verdade, as pessoas acabam por se trair. (Poirot em Depois do Funeral)


Peter Ustinov como Hercule Poirot


Em outras ocasiões, ainda, Poirot mente, com poucos pudores. Seu objetivo é alcançar a verdade, os fatos, as pistas tão preciosas para que possa movimentar as engrenagens de suas células cinzentas. E, se uma mentirinha aqui, outra ali, ou um pequeno engodo qualquer forem necessários para alcançar seu objetivo, tudo bem.

É o que ocorre, por exemplo, em Os Quatro Grandes, quando Hastings declara:

Às vezes, Poirot emprega uma maneira de falar tão peculiar, que é praticamente impossível saber se ele está brincando ou se está falando sério.

Poirot, depois de tantos anos, contou para o amigo que possuía um irmão, chamado Achille Poirot, o qual teria nascido no mesmo dia que ele. Gêmeos! – exclamou Hastings, para então descobrir que Poirot havia simplesmente inventado tal irmão.

Outro exemplo, é o que acontece em Poirot perde uma cliente:

A enfermeira Carruthers era uma mulher de meia-idade, de
aspecto sério, diante da qual Poirot apresentou-se em novo papel,
e com outro parente fictício. Queria uma enfermeira para tratar da
mãe velhinha...

O detetive inventa que tem uma mãe idosa, a qual precisa de uma enfermeira como acompanhante, com o propósito de investigar algumas enfermeiras sem levantar suspeitas.


B) Envolver as pessoas para que falem naturalmente

Isto mostra, Madame, os perigos da conversa. Tenho profunda crença em que se pode induzir uma pessoa a falar por muito tempo, sobre qualquer assunto que seja, que mais cedo ou mais tarde elas acabarão revelando as coisas. (Poirot em Depois do Funeral)



David Suchet como Hercule Poirot


Já sabemos que o que pode melhor alimentar as células cinzentas são informações. Fidedignas, é claro. Mas as pessoas em geral ou temem falar com os investigadores, ainda que sejam inocentes, ou simplesmente não gostam de falar sobre qualquer coisa pessoal com estranhos. E Poirot se encaixa nos dois casos: é um detetive e é uma pessoa estranha – em todos os sentidos, diga-se.

Porém, Poirot usa de suas habilidades para conseguir que as pessoas, mesmo aquelas que acabaram de lhe conhecer, falem. E falem tudo o que ele deseja saber. Com profundo conhecimento da natureza humana, Poirot percebe em pouco tempo como envolver a pessoa, nota alguma fraqueza sua, alguma forma de lhe atingir com sutileza, de ganhar-lhe a confiança para que baixe suas guardas e revele os fatos livremente.

É o que ocorre em O Assassinato de Roger Ackroyd, quando Caroline se deixa envolver por Poirot, contando-lhe tudo que desejava saber, e é criticada por isso:


– Constitui um grande alívio ter alguém a quem contar os próprios desgostos.
- É possível - observei. - Com a condição, porém, de fazê-lo espontaneamente. Agora deixar que nos arranquem confidências é outra questão.


David Suchet como Hercule Poirot


Às vezes ele se faz de terno conselheiro, encarando o famoso papá Poirot, ou uma figura mais velha e amigável, um homem gentil e sorridente.

No outro dia, Miss Ackroyd, quando estávamos sentados em torno da mesa, supliquei-lhe que fosse franca comigo. O que não se quer dizer ao papá Poirot, ele acabará por descobrir. (O Assassinato de Roger Ackroyd)

Em outras, sabe como fazer as perguntas certas ou os comentários certeiros. Ou simplesmente demonstra empatia e compreensão, incentivando a pessoa a falar, ainda que na verdade, não concorde com absolutamente nada!

É o que ocorre em Poirot perde uma cliente, quando a Srª Lawson falava de um fantasma que havia se materializado em sua frente e Poirot, que não acredita em fantasmas de jeito nenhum, simplesmente concordava amigavelmente com tudo que a mulher lhe contava:

Naquela última noite, registraram-se fenômenos bem nítidos. Na
verdade, iniciou-se uma materialização. Ectoplasma... Sabe,
talvez, o que seja ectoplasma?

— Sim, sim. Conheço sua natureza.

— Como o senhor sabe, sai como uma fita da boca do
médium, e assume uma forma. Agora estou convencida, Sr. Poirot,
que a Srta. Arundell era médium, embora não o soubesse.
Naquela noite, vi perfeitamente a querida Srta. Arundell deixar
sair pela boca uma fita luminosa, que em pouco tempo formou
uma auréola sobre a sua cabeça.

— Interessantíssimo!


SERÁ QUE OS MEIOS JUSTIFICAM OS FINS ?

Para Hercule Poirot, a resposta é: Sim! 

Seu objetivo maior era descobrir a verdade. Acreditava que através dela a justiça seria feita: o mistério seria desvendado, o crime solucionado, o culpado condenado e a vitima poderia descansar em paz. Enfim: a ordem seria restituída e a vida voltaria à normalidade. E as mentitinhas, falsetas, pequenos artifícios para enganar as pessoas, seriam ou esquecidos, ou aclamados como genialidade de um detetive muito esperto!





2 comentários:

  1. Parabéns sempre acompanho suas publicações e gosto muito delas ...
    Tem como eu ser notificada qd vc posta algo novo? Claudiagdeassuncao@gmail.com

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  2. Obrigada, Cláudia! Fico feliz que acompanhe as publicações. Na página inicial da blogazine (na coluna à direita) há 2 opções: uma intitulada FOLLOW BY EMAIL, que é para a pessoa seguir as publicações por e-mail, e outra logo abaixo, intitulada INSCREVA-SE, para também se inscrever e receber notificações de postagens e de comentários.

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