Uma das mais celebradas obras de Agatha
Christie por seu enredo inusitado e surpreendente, E Não Sobrou Nenhum (originalmente
publicado sob o título O Caso dos Dez Negrinhos), de 1939, tornou-se
posteriormente famosa pelos debates que envolveram justamente o seu título original,
publicado nas primeiras edições. A temática da luta contra toda e qualquer
forma de racismo se fez presente e, por motivos óbvios, o título original, que
em inglês era Ten Little Niggers, foi combatido. Na busca por se adequar
à demanda social mais contemporânea, o livro passou por intitulações diferentes
até chegar à definitiva e atual, como mostro em outra postagem (link a seguir)
contendo apenas as capas dos livros e seus títulos, em inglês e em português.
https://agathachristieobraeautora.blogspot.com/2013/06/curiosidades-rapidos-fatos.html
Porém, há mais fatos curiosos e/ou desastrosos envolvidos na história das publicações de E Não Sobrou Nenhum (O Caso dos
Dez Negrinhos), como podemos ver a seguir.
trecho da canção folclórica "Ten Little Niggers" |
Para começar, o título do livro, “Ten
Little Niggers” (Dez negrinhos, em tradução literal) no original, se
refere a uma canção infantil – aquela mesma recitada durante a história. Ocorre
que a palavra nigger (negro), por ocasião da publicação do
livro (1939), não tinha a mesma conotação na Inglaterra que possuía nos EUA. Na
América, “nigger” carregava uma significação pejorativa
e inapropriada em função de seu elemento demasiado racista.
O fato curioso é que a tal canção
infantil não é de origem inglesa, mas foi composta
no próprio EUA no século XIX por Septimus Winner e adaptada na
Inglaterra em 1868 por Frank Green.
Em todo caso, o fato é que o tempo passa,
novas percepções de antigos conceitos vão surgindo ou ganhando voz no mundo
social, e com isso o título do livro, “Ten Little
Niggers” tornou-se por demais inadequado, sendo finalmente trocado por
outro verso da mesma canção infantil: “And Then There Were None”
(E Então Não Sobrou Nenhum).
cena do file "Ten Little Indians" (1945) - no Brasil "O Vingador Invisível" |
Porém, para incrementar a controvérsia, antes
de se chegar ao título atual e para se evitar a questão racista implícita na
palavra “nigger”, o título foi modificado nos Estados Unidos com substituição
de “nigger” por “indians”, passando para “Ten Little Indians” (Os Dez
Indiozinhos).
Observe na imagem acima, do filme “Ten Little
Indians”, de 1945, que no Brasil recebeu o título de “O Vingador Invisível”,
que os personagens observam a mesma escultura descrita no livro, só que agora
com pequenos índios.
Mas a problemática ficou longe de se resolver. Ocorre que o público norte-americano imediatamente confundiu o novo título com outra canção folclórica, muito popular nos EUA, que é a seguinte:
One
little, two little, three little Indians,
Four
little, five little, six little Indians,
Seven
little, eight little, nine little Indians,
Ten
little Indians boys. And the there were
Ten
little, nine little, eight little Indians,
seven
little, six little, five little Indians,
Four
little, three little, two little Indians,
One little Indian boy.
Semelhante à canção dos "negrinhos", nesta outra dos indiozinhos, a quantidade de meninos também vai diminuindo, o que a tornou de certa forma adequada à história.
Outra confusão foi criada pela própria Agatha Christie e diz respeito ao verso final da canção que ela utilizou. No original, o último verso da trovinha é: “Ele se enforcou e não restou mais nenhum”, e foi este final que a escritora reproduziu em seu livro. Porém, quando fez a adaptação para o teatro, ela resolveu mudar um pouco o enredo e também trocou o verso para “Ele se casou e não restou mais nenhum”. Assim, algumas pessoas conheceram a história de um jeito e outras de outro: umas com uma morte, outras com um casamento!
Em 1966, a peça foi reencenada na
Inglaterra com o título original “Ten Little Niggers”. Só para
lembrar, a década de 1960 foi marcada pela luta pela igualdade de direitos e
contra a segregação racial, foi quando foi proferido o famoso discurso de
Martin Luther King e quando tantos outros movimentos e lutas por direitos
emergiram etc. Bem, enquanto as pessoas lotavam o teatro e faziam filas na
entrada, membros do Comitê Contra a Discriminação Racial desfilavam
em frente com palavras de ordem e cartazes, protestando contra a adoção do
título original. Resultado: os produtores da peça logo trocaram o título
mais uma vez, retirando a palavra nigger definitivamente
daquela produção teatral.
Histórica publicação da Editora Abril |
No Brasil, o título original foi publicado
como “O Caso dos Dez Negrinhos” e permaneceu sendo reeditado e
publicado deste modo, mesmo depois de décadas. Só muito recentemente, em 2008,
é que foi atualizado e lançado como: “E não sobrou nenhum”.
O interessante é que a necessidade de se descrever o conjunto de estátuas de enfeite sobre a mesa de jantar de outra forma, ainda mantendo dez personagens semelhantes conforme a história, segue conforme a criatividade de cada editor. Nesta curiosa capa da Editora Globo Clube os elementos foram colocados como soldadinhos do Rei inglês.
Outra versão curiosa foi a solução encontrada para um jogo eletrônico, no qual as dez figuras aparecem como dez marinheiros:
polêmica desnecessária, sem falar que o outro título já dá um baita spoiler. por falar nisso como participar do espaço do fã "Palavras de Fã'? abraços.
ResponderExcluir