MODESTA SIM, TOLA JAMAIS!
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A atriz Margaret Rutherford e Agatha Christie |
Existe uma frase célebre que é atribuídas a Agatha Christie, mas que sempre me intrigou. A frase é a seguinte:
Eu
tenho, afinal de contas, um pouquinho de experiência em desenvolver tramas, diálogos,
e em saber o que o público gosta, não achas?
Ora, Agatha Christie era a própria imagem da elegância e da modéstia! Assim sendo, para ter proferido uma ironia destas, com um quê de esnobismo, ela certamente teve um
forte motivo. Aconteceu o
seguinte:
EM DEFESA DE MISS MARPLE
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Margaret Rutherford como Miss Marple |
Agatha Christie proferiu aquela frase durante uma entrevista, quando foi
questionada acerca do livro Assassinato
no Hotel Bertram (At Bertram’s Hotel, 1965). Mais precisamente, a pergunta se direcionava ao motivo pelo qual a edição do livro vinha com o seguinte subtítulo já na capa:
Protagonizando Miss Marple, a personagem original conforme criada por Agatha Christie.
Para quem não se encontra inteirado do que estava acontecendo naquela época, tal subtítulo pode até parecer redundante, afinal, se foi Agatha Christie quem escreveu o livro - o qual nem é o primeiro com Miss Marple - por que então a necessidade de frisar que se trata da personagem original conforme a autora idealizou? Mas havia sim um forte motivo para tamanha preocupação.
Ocorre que no princípio da década de 1960, portanto logo anteriormente à publicação de Assassinato no Hotel Bertram em 1965, uma série de 4 filmes inspirados em Miss Marple e suas aventuras foram lançados, tendo a atriz de origem inglesa Margaret Rutherford (11 de maio de 1892 - 22 de maio de 1972) no papel principal. Os filmes são:
- Murder, she said, 1961 (algo como: Assassinato, disse ela)
- Murder at the Gallop, 1963 (algo como: Assassinato a Galope)
- Murder Most Foul, 1964 (algo como: Um Assassinato Muito Sujo)
- Murder Ahoy!, 1964 (algo como: Assassinato, epa!) :
Os filmes até fizeram bastante sucesso. Todavia, Agatha Christie ficou bastante aborrecida com os filmes (assim como muitos outros fãs de Miss Marple, diga-se de passagem), e, em consequência disso, fez total questão de incluir aquele subtítulo por ocasião do lançamento de Assassinato no Hotel Bertram.
Protagonizando Miss Marple, a personagem original conforme criada por Agatha Christie.
Para quem não se encontra inteirado do que estava acontecendo naquela época, tal subtítulo pode até parecer redundante, afinal, se foi Agatha Christie quem escreveu o livro - o qual nem é o primeiro com Miss Marple - por que então a necessidade de frisar que se trata da personagem original conforme a autora idealizou? Mas havia sim um forte motivo para tamanha preocupação.
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Margaret Rutherford como Miss Marple |
Ocorre que no princípio da década de 1960, portanto logo anteriormente à publicação de Assassinato no Hotel Bertram em 1965, uma série de 4 filmes inspirados em Miss Marple e suas aventuras foram lançados, tendo a atriz de origem inglesa Margaret Rutherford (11 de maio de 1892 - 22 de maio de 1972) no papel principal. Os filmes são:
- Murder, she said, 1961 (algo como: Assassinato, disse ela)
- Murder at the Gallop, 1963 (algo como: Assassinato a Galope)
- Murder Most Foul, 1964 (algo como: Um Assassinato Muito Sujo)
- Murder Ahoy!, 1964 (algo como: Assassinato, epa!) :
Os filmes até fizeram bastante sucesso. Todavia, Agatha Christie ficou bastante aborrecida com os filmes (assim como muitos outros fãs de Miss Marple, diga-se de passagem), e, em consequência disso, fez total questão de incluir aquele subtítulo por ocasião do lançamento de Assassinato no Hotel Bertram.
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Margaret Rutherford como Miss Marple |
Absolutamente nada contra Dame Margaret Taylor Rutherford, DBE (Dame of the British Empire - Dama do Império Britânico, já falecida), ganhadora do premio máximo da Academia, do Golden Globe e de outros importantes prêmios como atriz.
A própria Agatha Christie, inclusive, dedicou à atriz seu livro A Maldição do Espelho (The Mirror Cracked from Side to Side, 1963) : À Margaret Rutherford, em admiração.
O problema está diretamente nos filmes em si: na forma como a adaptação da personagem de Miss Marple foi feita, ou seja, no modo como os roteiros foram escritos e como a direção e a montagem dos filmes foram desenvolvidas.
UMA CARICATURA DA VELHA
SOLTEIRONA E MEXERIQUEIRA
(com o perdão dos politicamente corretos
e com licença ao Estatuto do Idoso)
e com licença ao Estatuto do Idoso)
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Margaret Rutherford (vestida de homem) como Miss Marple e Stringer Davis como Mr. Stringer |
Ocorre que nestes filmes, Miss Marple é caracterizada de um modo radicalmente e completamente diferente - diametralmente oposto mesmo, eu diria - àquela Miss Marple criada por Agatha Christie e já conhecida e amada pelos fãs.
A Miss Marple encarnada por Margaret Rutherford encontra-se muito mais próxima de uma caricatura da velha solteirona mexeriqueira (que me perdoem os politicamente corretos, mas esta é a descrição precisa), daquelas bem exageradas e que beiram os limites do ridículo. Nem mesmo na 1ª fase de caracterização de Miss Marple, ou seja, em seus primeiros livros, Agatha Christie usou tons tão fortes assim para conceber a velhinha esperta e fofoqueira.
As aventuras nas quais a Miss Marple de Margaret Rutherford se envolve são inconcebíveis para a Miss Marple original., Ocorrem situações que são repletas de ação, as quais são quase sempre realizadas pela própria Jane Marple. Aquelas questões típicas da idade avançada, largamente descritas por Agatha Christie nos livros da Miss Marple original, como seu reumatismo, dificuldade para enxergar, dores nas costas e nos pés, são inteiramente descartadas nestes filmes.
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Margaret Rutherford como Miss Marple |
Assim, a Miss Marple encarnada por Margaret Rutherford - Imaginem so!! - aparece em situações inusitadas para uma senhorinha calma e de idade avançada, como: dançando o twist, montando a cavalo, disfarçada vestida de homem (foto), só para citar alguns exemplos.
A personagem era caracterizada como uma mulher muito energética e física, surgindo em cenas nas quais praticava esporte, como tênis (foto), pedalava uma bicicleta com a habilidade uma jovenzinha (foto), escalava muros de sebe ou paredes de hera até uma janela com um vigor quase masculino, e outras coisas mais!
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Margaret Rutherford como Miss Marple e o ator Alexander Eastley |
Como se não bastasse tudo isso, o último filme da série, Murder Ahoy!, não é baseado em nenhuma obra de Agatha Christie. O roteiro foi totalmente inventado, e nele, esta nova Miss Marple é construída como uma verdadeira mandona, praticamente uma megera, que tem a personalidade de um soldado e comanda uma batalha naval!
O resultado são 4 filmes que se assemelham à comédia pastelão! São situações divertidas, é bem verdade, mas que naturalmente situam-se a anos-luz de distância de nossa doce e meio fofoqueirinha velhinha detetive. Além disso, acredito que todos hão de concordar que as expressões, caras e bocas de Margaret Rutherfod já são por si só uma caricatura - e das boas! Ela foi dirigida para fazer um papel cômico, para tirar boas gargalhadas do público, e como a excelente atriz que era, foi exatamente o que fez.
Eu não advogo contra os filmes - até acho que vale a pena assisti-los. Mas não com a pretensão de ver nossa amável senhorinha detetive solucionando sabiamente algum enigma enquanto faz tricô, toma um chazinho com calma e visita as pessoas para obter informações. Não se engane: a Miss Marple de Margaret Rutherford não tem absolutamente nada da docilidade interiorana inglesa!
UMA VEZ UMA DAMA, SEMPRE UMA DAMA:
ABORRECIDA SIM, SEM CLASSE, JAMAIS!
ABORRECIDA SIM, SEM CLASSE, JAMAIS!
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Margaret Rutherford como Miss Marple |
Agora, voltando àquela frase de Agatha Christie e nos colocando em seu lugar, francamente: até eu, esta ousada cronista da vida e da obra de Dame Agatha que aqui lhes escreve, redigiria roteiros mais adequados ou mais semelhantes da Miss Jane Marple da pacata vila rural de St. Mary Mead!
Em vista do ocorrido, é mais do que justificável que Agatha Christie tenha se zangado e defendido sua própria personagem, não acham?
E, convenhamos, sua frase foi a de uma verdadeira Dama e de uma inteligência ímpar: foi proferida com a classe de uma ironia sutil encoberta em uma interrogativa. Perfeito!
Excelente artigo. Parabéns Cristina!!!
ResponderExcluirObrigada, Dio Xavier! Agatha era mesmo uma dama, não acha? Um forte abraço!
ResponderExcluirCristina Siqueira