AS CONFISSÕES VELADAS DE AGATHA CHRISTIE
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David Suchet como Hercule Poirot e Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver |
Você
pode até não ser um grande fã de Mrs. Ariadne Oliver, a famosa escritora de
romances policiais, amiga de Hercule Poirot e viciada em maçãs, criada por
Agatha Christie – e a qual, a propósito, muitos acreditam ser esta personagem
uma versão autobiográfica da própria Rainha do Crime (veja detalhes no artigo: Mrs
Oliver seria a própria Agatha Christie? (http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2013/07/quarta-e-dia-de-last-but-not-least.html )
Mas,
sendo você um admirador de Agatha Christie, não pode negar que, através das falas
de Mrs. Oliver, a escritora nos passa algumas de suas impressões sobre o mundo,
as pessoas, as coisas em geral. E, o mais interessante, Agatha Christie nos
revela ideias e visões sobre a vida e sobre o que seria o trabalho de uma escritora de romances
policiais!
DE UMA ESCRITORA PARA OUTRA
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Agatha Christie |
Todos
nos encantamos com o método Christie para
conceber estórias de crime e mistério. Mas Dame
Agatha nunca escreveu um tratado sobre a arte de conceber romances
policiais. É através da voz de Mrs Oliver que obtemos – supostamente – algumas
pistas sobre os pensamentos de Agatha Christie sobre seu ofício. Ou, talvez,
sobre justamente o contrário: como ela acreditava que não se deveria escrever romances policiais e detetivescos, uma vez
que muitas das observações de Mrs Oliver são, digamos, polêmicas e controversas.
Afinal, seja uma coisa ou outra, com Agatha Christie, nunca se sabe: algo pode parecer
ser de um modo, mas também pode se revelar no final das contas ser uma coisa
completamente diferente!
Sabendo
disso, Bill Peschel, autor de Writers
Gone Wild (2010, Penguin Press) e de vários romances anotados de Agatha
Christie e Dorothy L. Sayers, teve uma ideia daquelas que você fica se
perguntando: Por que eu não pensei nisso
antes?, e reuniu uma coletânea destas frases
de Mrs Oliver, separadas por tema. Bom trabalho! Congratulando
Bill Peschel pela ótima ideia, dou início aqui a uma série de artigos nos quais apresento algumas passagens de Ariadne
Oliver, organizadas em tópicos dentro da temática do árduo trabalho de uma
escritora de romances policiais, e devidamente comparadas ou ligadas a alguma situação semelhante na
vida de Agatha Christie.
obs: Repito: tire você suas próprias conclusões!
obs: Repito: tire você suas próprias conclusões!
ARIADNE OLIVER &
A ÁRDUA ARTE DE ESCREVER
O que Agatha Christie pensava sobre...
A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS
A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS
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Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver |
obs: Semelhante a Agatha
Christie, cujo famoso detetive, Hercule Poirot, era belga, Sven Hjerson, o
detetive criado por Ariadne Oliver, não era inglês: era finlandês.
Só lamento uma coisa - fazer do meu
detetive um finlandês. Eu realmente não sei nada sobre os finlandeses e estou
sempre recebendo cartas da Finlândia apontando algo impossível que ele tenha
dito ou feito. Eles parecem ler bastante histórias de detetive na Finlândia.
Acho que são os longos invernos sem luz do dia. Na Bulgária e na Romênia eles
parecem não ler. Eu teria feito melhor se o tivesse criado uma búlgaro.
(Cartas na Mesa, 1936)
obs: Assim como ocorre com
Hercule Poirot, que despreza a comida inglesa e tem hábitos alimentares
peculiares, Sven Hjerson, o detetive criado por Ariadne Oliver, era vegetariano.
Mas eu
realmente não sinto que é certo fazer dele um vegetariano, querida, Robin
discordava. Muito caprichoso da parte
dele. E definitivamente não é glamouroso.
Eu não
posso fazer nada, disse Mrs. Oliver obstinadamente. Ele sempre foi um vegetariano. Ele leva
consigo uma pequena máquina para ralar cenouras cruas e nabos.
Mas Ariadne, querida, por quê?
Como eu sei?, Disse Mrs. Oliver irritada.
Eu sei lá por que eu imaginei aquele homem revoltante? Eu devia estar louca!
Por que um finlandês se eu não sei nada sobre a Finlândia? Por que um
vegetariano? Por que todos os maneirismos idiotas que ele tem? Essas coisas simplesmente
acontecem. Você tenta algo - e as pessoas parecem gostar disso - e então você
vai em frente - e antes que você saiba onde você está, você tem alguém assim
enlouquecedor como Sven Hjerson vinculado a você para a vida. E as pessoas
ainda escrevem e perguntam o quanto você deve gostar dele. Gostar dele? Se eu
encontrasse aquele esquelético e desengonçado comedor de vegetais finlandês na
vida real, eu cometeria um assassinato melhor do que qualquer outro que eu já
inventado.
(A Morte da Sra. McGinty, 1952)
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Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver |
obs: Agatha Christie já foi
criticada como sendo fria e insensível por ter criado estórias onde uma criança
ou uma jovem e bela mulher ou um belo rapaz são assassinados, bem como por ter atribuído
a culpa a justamente uma jovem e bela mulher ou um belo homem.
Eu acredito agora que ela o tenha feito. É
sorte que isso não tenha ocorrido em um livro. Eles realmente não gostam quando
a garota jovem é quem cometeu o crime.
(Cartas na Mesa, 1936)
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obs: Inúmeras vezes
perguntaram a Agatha Christie se ela utilizava pessoas conhecidas em suas
estórias, assim como lhe questionavam quem seria Miss Marple e Hercule Poirot na vida real. No trecho a seguir, Mrs Oliver explica a seu amigo Poiot como uma pessoa totalmente desconhecida pode lhe servir de inspiração para a criação de um personagem.
Não é
porventura verdade dizer, madame, que você reproduz as pessoas em livros, às
vezes? As pessoas que você encontra, mas não, eu concordo, as pessoas que você
conhece. Não haveria diversão nisso.
Você
está certo, disse Mrs. Oliver. Acontece assim, quero dizer, você vê uma mulher
gorda sentada em um ônibus comendo um bolo de groselha e seus lábios estão se
movendo enquanto ela come, e você pode ver que ela ou quer dizer alguma coisa a
alguém ou está pensando em um telefonema que vai fazer, ou talvez uma carta que
vai escrever. E você olha para ela e você estuda seus sapatos e a saia que ela
usa e seu chapéu e adivinha a idade dela e se ela tem um anel de casamento e
algumas outras coisas.
E
depois que você sai do ônibus. Você não pretende vê-la nunca mais, mas você tem
uma história em sua mente sobre alguém chamado Sra Canaby que está indo para
casa em um ônibus, tendo feito uma entrevista muito estranho em algum lugar
onde ela viu alguém em uma lanchonete e lembrou-se de alguém que ela só tinha
conhecido uma vez que ela tinha ouvido falar que estava morto e, aparentemente,
não está morto.
(Noite das Bruxas, 1969)
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