RECEIOS E CONSTRANGIMENTOS DE AGATHA
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caricatura de Agatha Christie |
CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE
DE AGATHA CHRISTIE
Criei a série Ariadne Conta Tudo inspirada fato de
vários estudiosos acreditarem que a personagem Mrs. Ariadne Oliver, uma famosa escritora
de romances de mistério, criadora de um detetive idolatrado pelos fãs, mas do
qual ela se cansa às vezes, e adoradora de maçãs, seria, na verdade, uma
personagem autobiográfica. Assim, através das descrições e das próprias falas
de Mrs. Oliver, vamos identificando possíveis confissões de Agatha sobre si mesma, seus sentimentos e
pensamentos.
Nesta 4ª parte da série, podemos identificar alguns dos
famosos traços da personalidade de Agatha Christie projetados em Mrs. Oliver. É
o caso de sua irremediável timidez, de seu temor em falar em público ou das
perguntas constrangedoras dos repórteres e dos fãs, e o encabulamento diante de
elogios inesperados.
Porém, apesar de tudo isso, podemos também constatar definições de si mesma, feitas de
forma sensata e precisa, revelando como Agatha identificava sua autoimagem.
Obs.: veja as partes 1, 2 e 3 de ARIADNE CONTA TUDO em:
parte 2 - http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2015/02/o-metodo-christie-o-que-possivelmente.html
parte 3 - http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2015/10/last-but-not-least-ariadne-conta-tudo.html
ENCONTRAR-SE
COM PÚBLICO
A
Terceira Moça
Há as
pessoas que me vêm dizer coisas — que adoraram meus livros, que estavam loucas
de vontade de me conhecer — eu fico logo encabulada, sentindo-me tão boba...
Os Elefantes não Esquecem
Até esta
altura do almoço a Sra. Oliver achou que tudo ia correndo muito bem. Chegara o
momento de servir o café, na sala ao lado, para que os convidados tivessem
oportunidade de conversar com outras pessoas. Ma sabia que este era o momento
perigoso, pois fatalmente seria atacada pelos fãs. Atacada frontalmente pela torrente
de elogios que não saberia como agradecer, nem responder.
Ex.: — Preciso lhe dizer quanto aprecio
seus livros e que pessoa maravilhosa a senhora deve ser. Resposta: (da autora
encabulada): — Muito obrigada! Continuação do ataque: — Há meses quero conhecê-la!
Resposta: — Ora, muito obrigada! E assim por diante. Como se ninguém tivesse
coragem de inventar uma outra frase, ou como se a autora fosse incapaz de
pensar noutra coisa que não fosse nos seus livros!
A Sra.
Oliver invejava os autores que sabiam responder a esses tipos de elogios, mas
infelizmente não era o seu caso.
A
Morte da Srª McGynty
— Estou
encantada em conhecê-la, Sra. Oliver — disse ela. — Eu imagino que a senhora
detesta as pessoas que falam sobre os seus livros, mas eles têm sido um imenso
conforto para mim nos últimos anos — e especialmente depois que eu fiquei assim
inválida.
— E
muito gentil de sua parte — disse a Sra. Oliver, parecendo encabulada e
torcendo as mãos com jeito de menina de escola.
FALAR EM PÚBLICO
Os Elefantes não Esquecem
— Nesse
almoço a senhora vai ter que fazer algum discurso?
— Eu? —
perguntou horrorizada a Sra. Oliver. — Claro que não. Você sabe que eu nunca
faço discursos!
— Eu pensei
que os homenageados fossem obrigados a falar. A senhora não vai ser uma das
homenageadas?
— Vou, mas
não vou precisar fazer discurso — respondeu enfática a Sra. Oliver. — Outras
pessoas, que acham graça nisso, farão discursos e dirão coisas bem mais
interessantes do que eu seria capaz de dizer.
— Não acredito.
Se a senhora quisesse poderia fazer um discurso brilhante... — Não é verdade.
Sei o que posso e o que não posso fazer. Falar em público não é meu forte. Eu
ficaria nervosa e certamente começaria a gaguejar e a repetir as mesmas coisas.
Me sentiria como uma idiota! Com a palavra escrita é outra coisa. A gente
escreve ou dita e elas se encaixam e saem maravilhosas...
— Espero
que tudo corra bem. Vai ter muita gente?
— Sim — respondeu a
Sra. Oliver deprimida. — Muita gente!
A
Extravagância do Morto
— É esplêndido que tenha me telefonado -
disse. - Eu estava saindo para fazer uma palestra sobre Como escrevo meus
livros. Agora posso mandar minha secretária ligar e dizer que estou presa por
um
compromisso
inadiável.
— Mas Madame, não deve deixar que eu impeça...
— Não é caso de impedir —
disse a Sra. Oliver alegremente. — Eu iria bancar uma completa idiota.
Quero dizer, o que se pode falar a respeito de como se escrevem livros?
Primeiro, a pessoa tem de pensar em alguma, coisa e depois, já tendo pensado, forçar
a si próprio a se sentar e escrever. É tudo. Levaria só três minutos para explicar
isso e então a palestra acabaria e todos ficariam muito aborrecidos. Não posso
imaginar por que as pessoas se interessam tanto em ouvir os autores falarem a
respeito de escrever. Eu deveria ter pensado que o negócio do escritor é
escrever e não falar.
ELOGIOS
& CONSTRANGIMENTOS
Os Elefantes não Esquecem
Sir Walter, um homem muito simpático,
elogiou os livros da Sra. Oliver com suficiente tato e finura, de maneira que
ela não se sentiu constrangida ou intimidada. Mencionou duas ou três razões
(que eram as certas) por que gostava dos livros dela, o que fez a Sra. Oliver
concluir que os homens sabiam elogiar, enquanto as mulheres, querendo ser
agradáveis, diziam coisas que a embaraçavam terrivelmente!
É verdade
que nem só as mulheres eram incômodas. Alguns moços nervosos, às vezes,
escreviam cartas que a deixavam envergonhada! Lembrou-se de uma que havia recebido
na semana anterior. “Lendo seu livro sei que a senhora deve ser uma grande
dama!” Que significaria este comentário, depois de ter lido o Crime do Peixe
Dourado?
AUTOIMAGEM
Os Elefantes não Esquecem
Uma amiga
estrangeira, em casa de quem se hospedara, definiu com maestria a situação. —
Ouço você falar — disse Albertina, com seu delicado sotaque estrangeiro — como
falou há pouco com o repórter, e vejo que você não se orgulha do seu trabalho.
Você devia responder: “Sim, escrevo maravilhosamente; melhor do que qualquer
escritor de histórias policiais!”
— Mas não é
verdade! — exclamou a Sra. Oliver. — Sei que não sou péssima mas...
— Mas você
não precisa negar. Deve dizer que se acha a melhor!
A
Morte da Srª McGynty
A Sra.
Oliver arregalou os olhos. Ela estava perdida num sonho nostálgico de sua casa.
Paredes recobertas com pássaros exóticos e folhagens. A mesa de pinho, sua
máquina de escrever, café bem preto, maçãs por todos os lados... Que bênção,
que bênção gloriosa e solitária! Que erro imenso o de um autor de emergir de
seu reduto secreto. Autores são tímidos, são criaturas arredias, reparando a
sua falta de atitudes sociais com a invenção de seus próprios companheiros e
suas próprias conversas.
Os Elefantes não Esquecem
Na
realidade a Sra. Oliver não era modesta, nem humilde; achava simplesmente que suas
novelas policiais eram bem urdidas e (no gênero) bem escritas; algumas eram
melhores que outras, porém seria demais concluir delas que a escritora era uma
grande dama. Simplesmente tinham uma grande aceitação pública.
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