segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

PERSONAGENS que também AMAMOS – ARIADNE CONTA TUDO (parte 4) sobre a TIMIDEZ DE AGATHA CHRISTIE





RECEIOS  E  CONSTRANGIMENTOS  DE  AGATHA



caricatura de Agatha Christie


CARACTERÍSTICAS   DA  PERSONALIDADE  
DE   AGATHA   CHRISTIE  



Criei a série Ariadne Conta Tudo inspirada fato de vários estudiosos acreditarem que a personagem Mrs. Ariadne Oliver, uma famosa escritora de romances de mistério, criadora de um detetive idolatrado pelos fãs, mas do qual ela se cansa às vezes, e adoradora de maçãs, seria, na verdade, uma personagem autobiográfica. Assim, através das descrições e das próprias falas de Mrs. Oliver, vamos identificando possíveis confissões de Agatha sobre si mesma, seus sentimentos e pensamentos.

Nesta 4ª parte da série, podemos identificar alguns dos famosos traços da personalidade de Agatha Christie projetados em Mrs. Oliver. É o caso de sua irremediável timidez, de seu temor em falar em público ou das perguntas constrangedoras dos repórteres e dos fãs, e o encabulamento diante de elogios inesperados. 

Porém, apesar de tudo isso, podemos também  constatar definições de si mesma, feitas de forma sensata e precisa, revelando como Agatha identificava sua autoimagem.


Obs.: veja as partes 1, 2 e 3 de ARIADNE CONTA TUDO em: 

parte 1- http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2014/09/o-metodo-christie-as-confissoes-veladas.html  

parte 2 - http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2015/02/o-metodo-christie-o-que-possivelmente.html  

parte 3 - http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2015/10/last-but-not-least-ariadne-conta-tudo.html  




ENCONTRAR-SE  COM  PÚBLICO



A Terceira Moça

Há as pessoas que me vêm dizer coisas — que adoraram meus livros, que estavam loucas de vontade de me conhecer — eu fico logo encabulada, sentindo-me tão boba...



Os Elefantes não Esquecem

Até esta altura do almoço a Sra. Oliver achou que tudo ia correndo muito bem. Chegara o momento de servir o café, na sala ao lado, para que os convidados tivessem oportunidade de conversar com outras pessoas. Ma sabia que este era o momento perigoso, pois fatalmente seria atacada pelos fãs. Atacada frontalmente pela torrente de elogios que não saberia como agradecer, nem responder.


Ex.: — Preciso lhe dizer quanto aprecio seus livros e que pessoa maravilhosa a senhora deve ser. Resposta: (da autora encabulada): — Muito obrigada! Continuação do ataque: — Há meses quero conhecê-la! Resposta: — Ora, muito obrigada! E assim por diante. Como se ninguém tivesse coragem de inventar uma outra frase, ou como se a autora fosse incapaz de pensar noutra coisa que não fosse nos seus livros! 


A Sra. Oliver invejava os autores que sabiam responder a esses tipos de elogios, mas infelizmente não era o seu caso.



A Morte da Srª McGynty

— Estou encantada em conhecê-la, Sra. Oliver — disse ela. — Eu imagino que a senhora detesta as pessoas que falam sobre os seus livros, mas eles têm sido um imenso conforto para mim nos últimos anos — e especialmente depois que eu fiquei assim inválida.

— E muito gentil de sua parte — disse a Sra. Oliver, parecendo encabulada e torcendo as mãos com jeito de menina de escola.





FALAR   EM   PÚBLICO



 
Zoe Wanamaker como Mrs. Oliver



Os Elefantes não Esquecem

— Nesse almoço a senhora vai ter que fazer algum discurso?

— Eu? — perguntou horrorizada a Sra. Oliver. — Claro que não. Você sabe que eu nunca faço discursos!

— Eu pensei que os homenageados fossem obrigados a falar. A senhora não vai ser uma das homenageadas?

— Vou, mas não vou precisar fazer discurso — respondeu enfática a Sra. Oliver. — Outras pessoas, que acham graça nisso, farão discursos e dirão coisas bem mais interessantes do que eu seria capaz de dizer.

— Não acredito. Se a senhora quisesse poderia fazer um discurso brilhante... — Não é verdade. Sei o que posso e o que não posso fazer. Falar em público não é meu forte. Eu ficaria nervosa e certamente começaria a gaguejar e a repetir as mesmas coisas. Me sentiria como uma idiota! Com a palavra escrita é outra coisa. A gente escreve ou dita e elas se encaixam e saem maravilhosas...

— Espero que tudo corra bem. Vai ter muita gente?

— Sim — respondeu a Sra. Oliver deprimida. — Muita gente!



A Extravagância do Morto

É esplêndido que tenha me telefonado - disse. - Eu estava saindo para fazer uma palestra sobre Como escrevo meus livros. Agora posso mandar minha secretária ligar e dizer que estou presa por um

compromisso inadiável.

Mas Madame, não deve deixar que eu impeça...

Não é caso de impedir disse a Sra. Oliver alegremente. Eu iria bancar uma completa idiota. Quero dizer, o que se pode falar a respeito de como se escrevem livros? Primeiro, a pessoa tem de pensar em alguma, coisa e depois, já tendo pensado, forçar a si próprio a se sentar e escrever. É tudo. Levaria só três minutos para explicar isso e então a palestra acabaria e todos ficariam muito aborrecidos. Não posso imaginar por que as pessoas se interessam tanto em ouvir os autores falarem a respeito de escrever. Eu deveria ter pensado que o negócio do escritor é escrever e não falar.






ELOGIOS  &  CONSTRANGIMENTOS



Os Elefantes não Esquecem

Sir Walter, um homem muito simpático, elogiou os livros da Sra. Oliver com suficiente tato e finura, de maneira que ela não se sentiu constrangida ou intimidada. Mencionou duas ou três razões (que eram as certas) por que gostava dos livros dela, o que fez a Sra. Oliver concluir que os homens sabiam elogiar, enquanto as mulheres, querendo ser agradáveis, diziam coisas que a embaraçavam terrivelmente! 


É verdade que nem só as mulheres eram incômodas. Alguns moços nervosos, às vezes, escreviam cartas que a deixavam envergonhada! Lembrou-se de uma que havia recebido na semana anterior. “Lendo seu livro sei que a senhora deve ser uma grande dama!” Que significaria este comentário, depois de ter lido o Crime do Peixe Dourado?






AUTOIMAGEM



 
Zoe Wanamaker como Mrs. Oliver



Os Elefantes não Esquecem

Uma amiga estrangeira, em casa de quem se hospedara, definiu com maestria a situação. — Ouço você falar — disse Albertina, com seu delicado sotaque estrangeiro — como falou há pouco com o repórter, e vejo que você não se orgulha do seu trabalho. Você devia responder: “Sim, escrevo maravilhosamente; melhor do que qualquer escritor de histórias policiais!”

— Mas não é verdade! — exclamou a Sra. Oliver. — Sei que não sou péssima mas...

— Mas você não precisa negar. Deve dizer que se acha a melhor!



A Morte da Srª McGynty

A Sra. Oliver arregalou os olhos. Ela estava perdida num sonho nostálgico de sua casa. Paredes recobertas com pássaros exóticos e folhagens. A mesa de pinho, sua máquina de escrever, café bem preto, maçãs por todos os lados... Que bênção, que bênção gloriosa e solitária! Que erro imenso o de um autor de emergir de seu reduto secreto. Autores são tímidos, são criaturas arredias, reparando a sua falta de atitudes sociais com a invenção de seus próprios companheiros e suas próprias conversas.



Os Elefantes não Esquecem

Na realidade a Sra. Oliver não era modesta, nem humilde; achava simplesmente que suas novelas policiais eram bem urdidas e (no gênero) bem escritas; algumas eram melhores que outras, porém seria demais concluir delas que a escritora era uma grande dama. Simplesmente tinham uma grande aceitação pública.



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