AGATHA CHRISTIE E HISTÓRIAS ASSUSTADORAS QUE VIVENCIOU
Todos
sabemos que um dos grandes méritos de Agatha Christie não é tão somente a
construção de enredos surpreendentes de crime e mistério, mas, sim, seu espetacular
talento para escrever! Seu domínio das Letras e da arte da palavra impressionam
a todos que tenham, ou não, alguma noção de linguagem e literatura e, ainda, que gostem, ou não, de literatura policial. E este
talento pode ser apreciado em demais escritos da autora, fora do universo das
histórias detetivescas, como em suas narrativas cômicas ou sentimentais, as
quais sempre cumprem o objetivo a que se propõem: divertir ou emocionar você.
Como é o
caso de sua Autobiografia – para mim, um de seus melhores livros. E foi na
Autobiografia que busquei duas histórias reais e sombrias para esta época em
que se comemora o Halloween no mundo anglo-germânico. Reais porque aconteceram
com a própria Agatha, conforme ela mesma nos conta. Sombrias porque envolvem acontecimentos
assustadores. Mas muito divertidas, porque Agatha era assim: espirituosa em suas
narrativas.
Eis aqui a primeira história.
O link para a segunda segue abaixo:
http://agathachristieobraeautora.blogspot.com/2020/10/agatha-e-o-misterioso-monstro-da-comoda.html
Margareth, a irmã mais velha de Agatha Christie e a menina Agatha |
A IRMÃ LOUCA DA GRUTA EM CORBIN’S HEAD
Minha irmã fazia comigo uma brincadeira
que me fascinava e ao mesmo tempo me aterrava. Chamava-se a brincadeira da irmã
mais velha”. A tese era que, em nossa família, havia uma irmã mais velha do que
Madge. Ela era louca e morava numa gruta em Corbin’s Head, e às vezes vinha até
nossa casa. Na aparência, era impossível distingui-la de minha outra irmã,
exceto pela voz, totalmente diferente. Era uma voz suave e untuosa, além de ser,
igualmente, assustadora.
“Você sabe quem sou eu, não é mesmo,
queridinha? Sou sua irmã Madge. Você não está pensando que sou outra pessoa,
está? Você não iria pensar uma coisa dessas!”
Eu então sentia indescritível terror. É
claro que sabia que era apenas Madge fingindo
— mas será que era mesmo?
Ou seria verdade? Aquela voz — aquele olhar de soslaio! Era minha irmã mais velha!
Foto do arquivo do Hospital Real de Bethlem - supostamente uma paciente internada como louca |
Minha mãe se aborrecia. “Não quero que
assuste a menina com essa brincadeira estúpida, Madge!” Madge respondia com
toda a razão: Mas, mamãe, é ela quem pede!” Madge estava certa. Eu pedia.
Dizia-lhe:
“Será que nossa irmã vai aparecer por
aí?”
“Não sei. Você gostaria que ela viesse?”
“Sim, sim, gostaria...”
Gostaria realmente? Suponho que sim. Esse
meu pedido nunca era satisfeito imediatamente. Dois, três dias depois escutava
uma batida na porta da nursery
e aquela voz:
“Posso entrar, queridinha? Sou sua irmã
mais velha...”
Anos mais tarde, bastava ainda que Madge
fizesse sua voz de “irmã mais velha” para que eu, imediatamente, sentisse um arrepio
ao longo da espinha.
Grutas de Kent, em Torquay, onde Agatha viveu em sua infância |
Por que gostava tanto da sensação do
medo? Qual será a necessidade instintiva que se satisfaz pelo terror? Por que
motivo, na verdade, as crianças gostam de histórias a respeito de ursos, lobos
e bruxas? Será que habita em nós algo que se rebela contra uma vida com
excessiva segurança? Será que é necessária à vida humana a sensação do perigo?
Será que se pode atribuir o atual incremento da delinquência juvenil ao fato de
existir “segurança” demais?
Menina Boo - personagem do filme "Monstros SA" da Pixar |
Necessitamos instintivamente de algo a
combater, a superar, como se fosse uma prova que quiséssemos dar a nós próprios?
Se tirássemos o lobo do conto do Chapeuzinho Vermelho, alguma criança gostaria
dessa história? Contudo, como acontece com a maior parte das coisas da vida,
apreciamos ficar assustados — mas não demais...
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https://en.wikipedia.org/wiki/Caves_in_Devon
Devon Spalaeological Society:
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