quarta-feira, 7 de outubro de 2020

AGATHA E O MISTERIOSO MONSTRO DA CÔMODA

 



AGATHA  CHRISTIE  E  HISTÓRIAS  ASSUSTADORAS  QUE  VIVENCIOU

(parte 2)

 

Todos sabemos que um dos grandes méritos de Agatha Christie não é tão somente a construção de enredos surpreendentes de crime e mistério, mas, sim, seu espetacular talento para escrever! Seu domínio das Letras e da arte da palavra impressionam a todos que tenham ou não alguma noção de linguagem e literatura. E este talento pode ser apreciado em demais escritos da autora, fora do universo das histórias detetivescas, como em suas narrativas cômicas ou sentimentais, as quais sempre cumprem o objetivo a que se propõem: divertir ou emocionar você.

Como é o caso de sua Autobiografia – para mim, um de seus melhores livros. E foi na Autobiografia que busquei duas histórias reais e sombrias para esta época em que se comemora o Halloween no mundo anglo-germânico. Reais porque aconteceram com a própria Agatha, conforme ela mesma nos conta. Sombrias porque envolvem acontecimentos assustadores. Mas muito divertidas, porque Agatha era assim: espirituosa em suas narrativas.

 

Eis a segunda história.

 

O link para a primeira segue abaixo:

http://agathachristieobraeautora.blogspot.com/2020/10/agatha-e-irma-louca-da-gruta-em-corbins.html




 

O MISTERIOSO MONSTRO DA CÔMODA

 

Fui à maravilhosa cidade de Baalbek, visitei os bazares e a rua chamada Direita. (...) Comprei uma cômoda de gavetas — uma grande cômoda incrustada com madrepérola e prata —, peça de mobiliário que me faz pensar em contos de fadas.

A única coisa que me preocupava era como iria transportá-la até a Inglaterra. Aparentemente, não haveria a menor dificuldade. Passei-a através da Agência Cook para um hotel, depois para uma companhia de navegação e, finalmente, ao cabo de vários arranjos, combinações e cálculos, nove ou dez meses mais tarde, uma quase esquecida cômoda com incrustações de madrepérola e prata surgiu ao sul de Devon.

 

Cidade histórica de Baalbek, no Líbano


Essa história não termina aqui. Embora fosse um magnífico objeto de mobiliário, que dava gosto contemplar e em que podia guardar muitas coisas, no meio da noite a cômoda produzia um ruído estranho, como se dentes estivessem roendo algo. Alguma criatura comia minha linda cômoda!

Tirei as gavetas e examinei-as. Não parecia haver marcas de dentes ou quaisquer buracos. No entanto, noite após noite, depois da meia-noite, eu escutava:

crump, crump, crump.


 



Por fim, tirei uma das gavetas e levei-a a uma firma de Londres, especialista em pragas tropicais. Concordaram imediatamente que algo sinistro trabalhava nos recessos da madeira. A única coisa a fazer seria desmontar a cômoda toda e montá-la novamente. Isso, devo dizer, aumentaria bastante a despesa já feita. Na realidade, o tratamento provavelmente custaria três vezes mais do que a própria cômoda, e duas vezes mais do que seu transporte para a Inglaterra. Eu, porém, não podia suportar mais aquele roedor fantasmagórico.


 



Pouco mais ou menos três semanas depois, meu telefone tocou e uma voz excitada disse: “Senhora, pode vir à loja? Gostaria que visse o que sua cômoda tem”. Eu estava em Londres nessa ocasião, de modo que me apressei a ir à loja, onde me mostraram um animal que parecia a repelente cruza de uma lagarta com uma lesma.

Grande, branco e obsceno, era evidente que gostara de seu regime de madeira, porque estava obeso. Comera quase toda a madeira em volta das gavetas! Algumas semanas mais, e minha cômoda regressou; a partir de então, as horas noturnas passaram a ser silenciosas.






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