AGATHA CHRISTIE E HISTÓRIAS ASSUSTADORAS QUE VIVENCIOU
(parte 2)
Todos
sabemos que um dos grandes méritos de Agatha Christie não é tão somente a
construção de enredos surpreendentes de crime e mistério, mas, sim, seu
espetacular talento para escrever! Seu domínio das Letras e da arte da palavra
impressionam a todos que tenham ou não alguma noção de linguagem e literatura.
E este talento pode ser apreciado em demais escritos da autora, fora do
universo das histórias detetivescas, como em suas narrativas cômicas ou
sentimentais, as quais sempre cumprem o objetivo a que se propõem: divertir ou
emocionar você.
Como é o
caso de sua Autobiografia – para mim, um de seus melhores livros. E foi na
Autobiografia que busquei duas histórias reais e sombrias para esta época em
que se comemora o Halloween no mundo anglo-germânico. Reais porque aconteceram
com a própria Agatha, conforme ela mesma nos conta. Sombrias porque envolvem
acontecimentos assustadores. Mas muito divertidas, porque Agatha era assim:
espirituosa em suas narrativas.
Eis a segunda
história.
O link
para a primeira segue abaixo:
http://agathachristieobraeautora.blogspot.com/2020/10/agatha-e-irma-louca-da-gruta-em-corbins.html
O MISTERIOSO MONSTRO DA CÔMODA
Fui à maravilhosa cidade de Baalbek, visitei os bazares e a rua chamada Direita. (...) Comprei uma cômoda de gavetas — uma grande cômoda incrustada com madrepérola e prata —, peça de mobiliário que me faz pensar em contos de fadas.
A única coisa que me preocupava era como
iria transportá-la até a Inglaterra. Aparentemente, não haveria a menor
dificuldade. Passei-a através da Agência Cook para um hotel, depois para uma companhia
de navegação e, finalmente, ao cabo de vários arranjos, combinações e cálculos,
nove ou dez meses mais tarde, uma quase esquecida cômoda com incrustações de
madrepérola e prata surgiu ao sul de Devon.
Cidade histórica de Baalbek, no Líbano |
Essa história não termina aqui. Embora fosse um magnífico objeto de mobiliário, que dava gosto contemplar e em que podia guardar muitas coisas, no meio da noite a cômoda produzia um ruído estranho, como se dentes estivessem roendo algo. Alguma criatura comia minha linda cômoda!
Tirei as gavetas e examinei-as. Não parecia haver marcas de dentes ou quaisquer buracos. No entanto, noite após noite, depois da meia-noite, eu escutava:
crump, crump, crump.
Por fim, tirei uma das gavetas e levei-a
a uma firma de Londres, especialista em pragas tropicais. Concordaram imediatamente
que algo sinistro trabalhava nos recessos da madeira. A única coisa a fazer
seria desmontar a cômoda toda e montá-la novamente. Isso, devo dizer,
aumentaria bastante a despesa já feita. Na realidade, o tratamento
provavelmente custaria três vezes mais do que a própria cômoda, e duas vezes mais
do que seu transporte para a Inglaterra. Eu, porém, não podia suportar mais
aquele roedor fantasmagórico.
Pouco mais ou menos três semanas depois, meu telefone tocou e uma voz excitada disse: “Senhora, pode vir à loja? Gostaria que visse o que sua cômoda tem”. Eu estava em Londres nessa ocasião, de modo que me apressei a ir à loja, onde me mostraram um animal que parecia a repelente cruza de uma lagarta com uma lesma.
Grande, branco e obsceno, era evidente que
gostara de seu regime de madeira, porque estava obeso. Comera quase toda a
madeira em volta das gavetas! Algumas semanas mais, e minha cômoda regressou; a
partir de então, as horas noturnas passaram a ser silenciosas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário