Quando um certo personagem aponta para o criminoso
ou para uma pista decisiva, porém, por algum
motivo,
ninguém lhe dá muita atenção.
obs: Não contém ending spoiler! As fotos são meramente ilustrativas.
Elenco de "Encontro com a Morte" - episódio do seriado de TV "Poirot" |
POR QUE NÃO
ME DERAM OUVIDOS?
Para se
desvendar um mistério, nada mais importante do que pistas decisivas. Melhor
ainda quando alguém aponta diretamente para o criminoso, com testemunho ou
argumentos incontestáveis! Pronto: enigma resolvido, caso encerrado!
Mas, com Agatha Christie as coisas não são tão simples assim. Em alguns enredos criados por Agatha Christie, existe
alguém que, quando apresenta uma pista vital, contando claramente alguma coisa que
viu ou ouviu ou algo que sabe sobre o assassino, ninguém lhe dá crédito.Por que estas pessoas não são
levadas a sério imediatamente?
Ou, pior ainda, por que somente quando estas pessoas são silenciadas através de seu assassinato é
que os outros vão dar importância àquilo que elas já haviam avisado um bom
tempo antes?
Como é
que detetives tão espertos, inspetores tão eficientes, personagens tão
inteligentes não perceberam a importância daquele fato, seja lá o que for, que
a pobre pessoa estava tentando dizer? E por que até mesmo nós, ávido leitores, somos
igualmente irresponsáveis e deixamos passar tais pistas!
Resposta:
porque tudo isso faz parte de mais um estratagema muito bem arquitetado pelo
gênio criativo de Agatha Christie!
EU TE DISSE! EU TE DISSE!
Elenco de "O Segredo de Chimney" - episódio do seriado de TV "Marple" |
Quando
falei de algumas técnicas utilizadas por Agatha Christie para trabalhar as
pistas de suas estórias investigativas no artigo Como enganar o leitor direitinho (http://agathachristieobraeautora.blogspot.com.br/2014/04/o-metodo-christie-como-enganar-o-leitor.html ), apontei, de forma
generalizada, para duas técnicas:
a
técnica da AGULHA NO PALHEIRO, na qual ela espalha dezenas de pistas ao
longo da narrativa, algumas verdadeiras, outras falsas, algumas tolas, outras
importantes, mas sem dizer qual é qual, e nos deixando perdidos no meio de um
monte de indícios;
e a
técnica do SHOW DE MÁGICA, no qual ela apresenta as pistas boas e
verdadeiras, porém, igual as mãos
ágeis de um mágico, ela desvia nossa atenção destas pistas quentes completamente.
Pois é exatamente
um desdobramento da técnica do show de mágica que temos aqui.
A TESTEMUNHA
IGNORADA
Elenco de "Os Trabalhos de Hércules" - episódio do seriado de TV "Poirot" |
Trata-se
da técnica da TESTEMUNHA IGNORADA. As pessoas simplesmente não dão bola
para o que aquela testemunha diz – mesmo sendo algo de suma importância para a
solução do caso! E por que os outros personagens agem assim, tão displicentemente?
Porque
Agatha Christie nos engana a todos – tal qual o mágico hábil e experiente –
apresentando um ou mais motivos lógicos e plausíveis para que, sim, esta tal
testemunha seja ignorada. Nós, leitores ingênuos, juntamente com os tolos
personagens, somos levados a não dar a devida importância a esta testemunha, ainda que, na verdade, ela seja sim, importantíssima!
E como
a Rainha do Crime faz isso exatamente, ou seja, nos ilude a todos? Muito simples: ela joga com nossos
preconceitos.
Exímia
conhecedora da natureza humana, Agatha Christie simplesmente se utiliza de nossos
preconceitos contra nós mesmos. Ela define e constrói a personalidade da tal testemunha
ignorada como sendo um determinado tipo social o qual nós e os outros
personagens menosprezamos ou ridicularizamos ou simplesmente não damos importância.
São aqueles tipos sociais que, por um motivo ou outro, achamos que não são
pessoas de confiança, ou ainda, que seus relatos não são de confiança.
Não
necessariamente são pessoas das classes inferiores! Pelo contrário: muitas
vezes são das classes altas. O foco dos preconceitos é outro: recai diretamente
sobre a personalidade da pessoa.
Assim, quando
esta testemunha fala alguma coisa – qualquer coisa – automaticamente, em função
de nossos preconceitos em desconfiar ou desacreditar nelas, nós a ignoramos. A
testemunha cumpre seu papel – revela a pista. Quanto a nós, desprezamos seu relato.
AGORA É
TARDE, INÊS É MORTA!
Elenco de "Nêmesis" - episodio do seriado de TV "Marple" |
A famosa frase, relativa à história trágica da portuguesa Inês de Castro, não poderia ser mais adequada à técnica utilizada pela nossa britânica Agatha Christie. Alguns exemplos de casos em que ocorre a técnica da testemunha ignorada são quando a tal importante testemunha ignorada é:
1. o principal suspeito – é condenado pelas pessoas antes mesmo do julgamento e tudo o que
diz é considerado mentira para se livrar da culpa.
2. o bêbado - tudo o que diz é considerado produto de carraspana
3. a pessoa tola ou
esquecida - tudo o que diz é considerado bobagem ou falho.
4. a pessoa antipática,
desagradável ou odiada – como ninguém gosta dela, automaticamente
tudo o que ela diz é ignorado.
5. a pessoa fofoqueira – acredita-se que sempre inventa ou exagera as estórias.
6. a pessoa idosa – é considerada boba, surda, que não enxerga bem, antiquada.
7. outros tipos aos quais as pessoas normalmente não dão ouvidos ou desprezam, agindo a partir de uma visão preconcebida sobre a relevância do que eles têm a dizer.
7. outros tipos aos quais as pessoas normalmente não dão ouvidos ou desprezam, agindo a partir de uma visão preconcebida sobre a relevância do que eles têm a dizer.
Há outros tipos, é claro.
Estes são apenas alguns. O fato é que, como já foi dito inúmeras vezes:
Com
Agatha Christie, nada e ninguém é o que parece!
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ATENÇÃO: a partir deste ponto: ending spoiller!!
Agora, vejamos alguns
exemplos nos livros de Agatha Christie:
a) A Ratoeira – Mrs. Boyle avisa que uma
pessoa não pode ser quem ele está fingindo que é, mas como ela é uma mulher
antipática de quem ninguém gosta, ela é ignorada.
b) A Extravagância do Morto – um homem de
aparência estranha e bêbada diz ter visto um corpo, mas, exceto por sua neta, ninguém
acredita nele.
c) Convite para um Homicídio - Dora Bunner conta ao Inspetor Craddock exatamente o
que uma pessoa estava fazendo antes do assassinato ser cometido, mas como ela é
uma mulher tola e esquecida, ninguém dá importância ao seu relato.
d) A Casa do Penhasco - Brenda Leonides
conta que um determinado personagem, que é o assassino, não está bem da cabeça,
mas como ela é a principal suspeita do assassinato, ninguém lhe dá ouvidos.
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