sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

CRIMES & CULINÁRIA - Mistério ao Molho Branco



Prato do dia:

Um Crime Adormecido (1976)

com Haddock ao Molho Branco



Hoje dou início a uma série de postagens, resultado de uma pesquisa sobre a obra de Agatha Christie, focando os quitutes - salgados, doces, bebidas - que recheiam seus livros e saltam aos olhos de seus fãs.

Estas passagens alimentícias podem até não ter uma ligação direta com a trama, como pensariam os leigos em assuntos literários. Mas a verdade é que elas sempre ajudam a desenvolver  algum elemento crucial do enredo, como, por exemplo, a caracterização de personagens, o estabelecimento dos seus papéis na sociedade e das relações de poder entre eles; o andamento, teatral ou filmográfico, da cena; a definição dos cenários, etc. Enfim, definitivamente, estes pratos e bebidas que nos dão água na boca nas estórias da Rainha do Crime contribuem para deixá-las ainda mais apimentadas!  



O último - de Agatha e de Miss Marple



Um Crime Adormecido (Sleeping Murder, 1976), embora tenha sido escrito durante a 2ª Guerra Mundial, foi publicado postumamente, uma vez que Agatha Christie faleceu no início daquele mesmo ano, em 12 de janeiro de 1976. Trata-se também do último caso resolvido pela velhinha detetive amadora Miss Marple.





No livro, temos a estória da simpática Gwenda Reed, a jovem recém casada que se mudou para a Inglaterra a fim de encontrar uma casa no Sul, perfeita para iniciar sua nova vida ao lado do marido Giles, que viajava a trabalho. Mas, estranhamente, depois de comprar e se instalar na antiga casa vitoriana, ela parecia se recordar de coisas relacionadas à casa, como os padrões do papel de parede, fatos que ela só poderia saber se já estivesse estado lá – mas isso nunca acontecera! Seria Gwenda então uma espécie de vidente? Era o que ela mesma começava a imaginar... até pedir a ajuda de Miss Marple. 



Na bela casa de Gwenda Reed, quem reinava na cozinha era a conservadora Sra. Cocker, que fazia questão de lembrar sua patroa dos costumes britânicos, inclusive aqueles para se alimentar:

 Naquela manhã, a Sra. Cocker pôs a bandeja do café no colo de Gwenda, que se sentara na cama.
-  Quando  não    um  cavalheiro  em  casa,  disse  a  Sra.  Cocker  - as  senhoras preferem tomar o café na cama. Gwenda curvou-se ante a suposta regra britânica.

-  Hoje  de  manhã  são  ovos  mexidos,  prosseguiu  a  Sra.  Cocker.  - A  senhora falou em haddock, mas no quarto não é bom. Deixa muito cheiro. Vou preparar haddock ao molho branco e torradas para o jantar.

Quem é que manda mesmo aqui? 


Geraldine McEwan como Miss Marple
É muito interessante como a Sra. Cocker, apesar da posição que ocupa na hierarquia social, não faz cerimônias em ditar as regras dos modos que considera adequados a sua patroa. (Veja links ao final sobre a hierarquia e a história dos serviçais domésticos na era vitoriana e também sobre a sociedade vitoriana em geral) A Sra. Cocker inclusive refuta sem pestanejar um suposto pedido de Gwenda - para comer o haddock no café da manhã - e decide não só o que será servido no quarto então - ovos mexidos - mas quando e como irá preparar o haddock: à noite, para o jantar e ao molho branco com torradas.

Esta passagem situa bem os papéis tanto da Sra. Cocker como de Gwenda: a primeira, como a detentora do conhecimento acerca dos hábitos e costumes corretos a serem seguidos e aquela capacitada a ensiná-los e exigi-los; e Gwenda, que mesmo sendo a dona da casa, se coloca em posição de obediência ou pelo menos de não protestar, na medida em que se curva ante a suposta regra britânica.

Além disso, a passagem pode ser expandida para atestar várias outras coisas que denotam a época e o local da estória (perspectiva diacrônica), dentre elas:

- a dignidade e o orgulho dos quais os criados ingleses eram imbuídos;
- o, digamos, misto de desconfiança e impaciência (para dizer o mínimo) com pessoas estrangeiras ou desconhecidas que provinham de outro local.
- o apego pela tradição e pelos costumes, que são mantidos através das regras de comportamento.


Então vamos ao prato!
   

Bem, já que a pobre Gwenda não pôde comer seu haddock na cama para o café da manhã, vamos começar então com ele. Eu particularmente adoro haddock, especialmente na forma de sashimi. Mas ao molho branco, como avisa a Sra. Cocker que irá preparar para o jantar, também é delicioso, ainda mais se acompanhados de torradas bem temperadinhas, ou mesmo de batatas cozidas e cogumelos Champion. 

O haddock está bem presente na culinária britânica. Podemos encontrar diversas receitas e modos diferentes de prepará-lo (links ao final). Uma delas seria o haddock assado no forno, da forma comum de se assar um peixe, com os temperos de sua preferência e servido em uma postas, regadas ao molho branco. Outra opção bastante comum na Inglaterra é a gratinada, como na receita a seguir. Em ambos os casos, ele pode vir acompanhado das torradas, como provavelmente é o caso do livro, ou de batatas ou cenouras cozidas. (Para esta e outras receitas inglesas veja o link abaixo) 

HADDOCK ao MOLHO BRANCO
e TORRADAS:



INGREDIENTES:

* 1 kg haddock (se for defumado, melhor ainda!)
* ½ xicara de parmesão ralado
*  2 xícaras de leite 
*  2 colheres (sopa) de manteiga 
*  2 colheres (sopa) de farinha de trigo 
*  sal, noz - moscada e pimenta do reino branca a gosto
* torradas frescas
* sumo de limão

MODO DE PREPARO:

HADDOCK: Escalde o haddock em água quente e reserve. Se preferir, use leite no lugar da água: o haddock ficará mais tenro e suculento.

MOLHO BRANCO:



1.  Ferva o leite 
2.  Derreta a manteiga, junte a farinha e mexa bem até obter uma pasta homogênea 
3.  Aos poucos, acrescente o leite e bata, constantemente, para não empelotar 
4.  Deixe cozinhar por alguns minutos e tempere com sal, noz-moscada e pimenta 

• Obs:  Essa é uma típica receita francesa, portanto qualquer alteração descaracteriza o molho.

MONTAGEM DO PRATO:



Em um refratário, coloque uma camada de molho, sobreponha o Haddock defumado reservado e cubra com o restante do molho. Por último, salpique com o queijo parmesão ralado e leve ao forno para gratinar. Sirva com torradas frescas salpicadas com algumas gotas de limão - isso dá um sabor surpreendente!


BOM APETITE!!


* Hierarquia dos servidores domésticos na era vitoriana: http://www.waynesthisandthat.com/servantwages.htm 

* História dos serviçais na era vitoriana: http://www.historyspark.com/fin/servants.html

* Sociedade inglesa vitoriana:
http://kspot.org/holmes/kelsey.htm

* Receitas britânicas:
http://www.bbcgoodfood.com/recipes/collection/british 


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